sábado, 29 de janeiro de 2011

Interrogações para um retrato envaidecido

Perscrutando detidamente a fotografia que ilustra este texto inútil, que legenda possível para um retrato envaidecido, com mero interesse pessoal?
Que o retratado tem a mania que sabe tocar viola? Dirá que arranha as cordas e impele algum ruído, o suficiente para o auditório se afastar das suas vizinhanças, denotando bom gosto... Consta que, apesar de tudo, nos seus verdes anos participou em espectáculos de variedades e em outras ousadias pseudo-musicais. Pobres e “variados” espectadores que tal “artista” suportaram!...
A viola será dele? Pelo estilo, parece que não.
Estará a tentar encantar as bananas e os ananases, surpreendidos sobre a mesa da sala de jantar, enquanto não são retalhados para a próxima salada de frutas?
Para onde estará virado? E quem o estará a fazer sorrir, talvez apontando o défice de execução musical?
Mas lá que julga ter pose de artista, não merece dúvidas: o olhar distante, o cabelo prateado (faz madeixas, obviamente), o bigode grisalho (com charme), os lábios cerrados propositadamente para não sair asneira, nem entrar mosca. A camisola vermelha, como que homenageando o “Glorioso”, para ver se reverte o momento menos auspicioso. Que mais canonizar na imagem que acima se pereniza?
Mais filosoficamente, se não se importam: em que estará a pensar, notando-se no raro e penoso cabelo que tem pensado seriamente? De onde terá vindo nesse dia de tal espalhafato? Para onde iria depois? Qual a duração do momento em que tomou, artisticamente, a viola alheia, armou postura para a câmara fotográfica e lançou-se logo na sobremesa do almoço?
Em quê ou em quem acredita o retratado? Ou será agnóstico em matéria religiosa e meio anarquista político? Ou não será nada disso, nem sendo nada do que pensam que ele é?
Que livros terá lido ultimamente? Será apreciador de José Saramago? De Miguel Torga? De Manuel Alegre (o poeta, o romancista)? Apreciará mais a poesia ou a prosa? Será que algum dia se atreveu a poetar, ao menos nuns românticos versos à sua princesa?
São interrogações possíveis para um retrato apenas, um instante captado pela máquina do Manuel Meira, irrepetível, grandioso, singular, no meio de um convívio fraterno dos trabalhadores do município de Fafe, acontecido próximo da terra em que viu a luz inicial “inteira e limpa” (Montalegre), num dia luminoso de Janeiro de 2011 (o convívio, claro está…).
Vemos ao que chega a capacidade interrogatória derivada do nada ter que fazer!...

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

AUDIOLIVRO "A DANÇA DOS ALCATRUZES" APRESENTA-SE NA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE FAFE

Esta sexta-feira, dia 28 de Janeiro, pelas 21h30, no auditório da Biblioteca Municipal de Fafe, a recém-criada Kairos – Produções Culturais promove o lançamento do audiolivro e livro digital A Dança dos Alcatruzes, de Oceano Andrade (personagem literário de José Rui Rocha).
Apresentação da obra por: Ângela Lopes
Participação de: Celina Tavares [canto] e José Miguel Costa [piano]  
Improvisos sobre Erik Satie: Nelson de Quinhones [piano]
A edição da obra é da Kairos – Produções Culturais.

 Sobre a obra:

A Dança dos Alcatruzes é o ficcional percurso de Cândido Makalani, escritor, e das espirais por si vividas e desejadas. É o encontro entre as partes distantes que formam o individuum. É um quase esquecido narrar de percursos e decisões. É um olhar sobre os gestos dos actores que se cumprem e adiam no palco onde se representa a dramaturgia do Tempo. É o agir e as suas consequências, o encanto e desencanto de quem faz. A dança dos alcatruzes desvela histórias afloradas ou mesmo não-ditas, mascara e desmascara palcos do Homem, da política - o social Aristotélico - da filosofia, da cultura, de um país conhecido como Portugal, e respira a distância, que é o apagador e o giz da memória. A dança dos alcatruzes – uma coreografia quase imóvel – é um território híbrido onde os personagens se metamorfoseiam mediante vontades, se projectam interior e exteriormente, bem como aos seus silêncios e lugares ideais – com os perigos que o ideal comporta.

Sobre o autor:
 

José Rui Rocha (1981) desenvolveu desde cedo estudos musicais na Academia de Música de São Félix da Marinha cumprindo o curso complementar e estudos em piano e técnica vocal e repertório – canto, licenciando-se em 2003 em Educação Musical. É especializado em Literatura Dramática pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Teve como principais áreas de actividade profissional o ensino da música, teatro, dinâmica de leitura, interpretação, escrita e oralidade e alfabetização. É fundador e presidente da direcção do Janelas Plurais - Núcleo de Arte Dramática – Fafe. Como dramaturgo, viu editados alguns dos seus trabalhos, caso dos textos: “Nuktos / N’Oudeis / Degrau sem superfície com saída ao abismo” prefaciados pelo prof. Roberto Merino. É responsável por diversas produções teatrais como “Do meu maior ódio nasceu o meu maior amor” – 1999; “António e suspiros de Morte” – 2001; “Náiade” – 2003; “Degrau sem superfície com saída ao abismo” – 2005; “Anfitrião Moldado ou a Ilusão Sagrada” – 2008. Frequentou Cursos de composição com Cândido Lima; seminários em torno das referências musicais nos romances de Eça de Queiroz, orientados pelo professor Viktor v. d. Bent; acções de Pedagogia Musical com o maestro e pedagogo, professor Pierre van Hauwe; Conferências Internacionais de Epistemologia e Filosofia e diversos colóquios internacionais em torno do teatro, onde participou igualmente como orador. É um frequentador assíduo da leitura e escrita. Actualmente desenvolve a sua actividade enquanto criador na Kairos – Produções Culturais.

(Para mais informações, ver o blogue http://kairosproducoesculturais.blogspot.com/)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

OS CAIXÕES DA POUCA-VERGONHA


Educação: 93 caixões em cortejo fúnebre
Sítio da TVI na Internet
Alunos, pais e professores de 93 escolas com contrato de associação com o Ministério da Educação manifestaram-se esta terça-feira em Lisboa de uma forma absolutamente demagógica, excessiva e indigna. De um tremendo e tétrico mau gosto. Chocante, por utilizar crianças num protesto sem sentido e sem razão. Com caixões, onde, em vez de prepararem o pretenso 'funeral' do ensino particular e cooperativo, deveriam enterrar a pouca vergonha com que o ensino privado quer continuar a desfrutar dos dinheiros públicos, como o faz desde há três décadas, quando a realidade não tinha a mínima comparação com a situação actual.
O que está em causa, claramente, é saber se o Estado deve ou não financiar, total ou parcialmente, o ensino privado. Entendemos que o deve fazer apenas quando ele se torna supletivo do ensino público, ou seja, em casos isolados em que a escola privada é a única escolha. A obrigação do Estado é apostar, desde o princípio e fortemente, na defesa do ensino público de qualidade.
O próprio texto constitucional consagra que o ensino deve contribuir para a superação de desigualdades económicas, sociais e culturais e que, na realização da política de ensino, incumbe ao Estado “assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito”, “criar um sistema público de educação pré-escolar”, “garantir aos cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística” e, enfim, “estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”, entre outros preceitos. Mas, no fundamental, a Constituição estabelece inequivocamente que “o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população” (artigo 75º). É o que está em causa.
O Estado, adentro dos seus parcos recursos, que são os de todos os contribuintes, tem a estrita obrigação de construir e manter estabelecimentos de ensino públicos, desde o pré-primário ao secundário, dotados das melhores condições possíveis para o ensino e aprendizagem.
Desde há 30 anos, porém, que o Estado tem celebrado contratos de associação, que visam a atribuição de um subsídio às escolas privadas que completem as insuficiências da rede pública de escolas. Com efeito, como bem sublinha o Governo, a evolução da rede de escolas públicas nos últimos três decénios e a melhoria das condições e da qualidade de ensino na escola pública impõem a revisão das condições destes contratos, que é o que está em equação nesta altura, em que a escola pública responde às necessidades. Não há concelho que não tenha, no mínimo, os seus centros escolares que respondem às necessidades dos alunos e das famílias, desde o ensino pré-primário à escolaridade obrigatória, para mais num sistema de “escola a tempo inteiro”, com actividades de enriquecimento curricular, impensáveis há alguns anos. Não há cidade ou vila que não disponha da sua escola secundária, que muitas vezes não é mais bem apetrechada, em virtude de as verbas serem também desviadas para outras redes de ensino…
Por outro lado, num momento de enorme esforço nacional de consolidação e equilíbrio das contas públicas, impõe-se um importante exercício de racionalização da gestão dos recursos financeiros públicos, solicitado a todos os portugueses, e que fundamenta a reavaliação de subsídios e contratos que assentavam em pressupostos de há décadas atrás.
As escolas privadas queixam-se mas, mesmo com os cortes instituídos pela portaria 1324-A/2010, o apoio financeiro a conceder, no âmbito de contratos de associação, resulta na atribuição de um subsídio anual por turma fixado em € 80 080. É pouco? Mas o caso é tão simples como isto: havendo uma rede de ensino público que garante a escolaridade, desde o básico ao secundário, pelo menos, quem quer o ensino privado, com as suas mordomias, as suas piscinas, os seus pavilhões, o seu golfe, o seu ballet, a sua equitação, paga-o do seu bolso. Não é justo, nem consequente, que seja o Estado a financiar um ensino de cariz religioso, ou de outra espécie, quando garante alternativa. Se os colégios e escolas particulares, que também têm direito à vida, querem continuar a sua actividade, têm de arranjar outras fontes de financiamento, que passam pelo acréscimo da contribuição dos próprios alunos. Agora, o que não é admissível é que os estabelecimentos de ensino privado se gabem do seu estatuto de excelência quando estão a ser financiados, em grande parte, pelos dinheiros públicos. Esses recursos devem ser canalizados para a escola pública, como preceitua a Constituição e admite o mais elementar bom senso!
A “liberdade de escolha da escola”, tão benquista aos defensores do privado, mas devidamente financiada pelos dinheiros públicos, é claro que não passa de uma grosseira mistificação. Se a recente alteração da legislação põe em causa a sobrevivência das escolas particulares, isso não é problema do Estado, quer dizer, de todos nós. Se não têm condições, fecham as portas, como acontece às empresas e ao comércio.
Quando não há dinheiro para manter a qualidade da escola pública, que cobre todo o país, é impensável manter os níveis de financiamento do ensino privado, que não responde a essa lógica, mas a propósitos lucrativos, catequísticos ou outros.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Daniel Bastos encheu Teatro-Cinema com os seus Estudos sobre Fafe Contemporâneo

O Teatro-Cinema de Fafe encheu na gélida noite de sábado para assistir à apresentação da obra Fafe – Estudos de História Contemporânea, da autoria do jovem historiador Daniel Bastos.
A anteceder a sessão, registou-se uma excelente intervenção musical pelo compositor fafense Nélson de Quinhones que executou um interlúdio de homenagem ao General Humberto Delgado e cuja partitura foi gentilmente oferecida pelo autor à Dra. Iva Delgado, filha do General e presidente da sua fundação, presente na sessão.
A mesa solene da sessão foi presidida pelo presidente da Câmara, José Ribeiro e integrou Iva Delgado, João Artur Pinto, Daniel Bastos e o signatário.
Todos os intervenientes louvaram a competência do jovem autor, o seu esforço, o seu talento, o seu trabalho já de uma década em prol da história local deste município, que ficou extraordinariamente enriquecida com esta obra.
Uma sessão cultural de elevado gabarito que honra Fafe e dignifica o jovem historiador, acrescentando-lhe as inerentes responsabilidades.
A minha intervenção na noite de sábado teve por base o posfácio que escrevi para a obra e que a seguir reproduzo, pedindo desculpa pela dimensão do texto. Mas não o posso reduzir. Seria trair o seu contexto.

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A História Contemporânea de Fafe ganhou, nos últimos anos, um jovem, qualificado e auspicioso investigador, Daniel Bastos, que tirocinou nas páginas amigas da imprensa local e foi-se impondo, com competência, esforço e empenho em textos de maior fôlego, perenizados na revista cultural Dom Fafes e um dos quais lhe valeu, justamente, em 2005, o Prémio de História Local – Câmara Municipal de Fafe.
Fafe – Estudos de História Contemporânea integra quatro desses artigos, qual deles o mais consistente, inovador e relevante para o conhecimento da historiografia do município nos últimos decénios. Referimo-nos, concretamente, aos textos “As visitas do rei D. Carlos I ao município de Fafe em 1906 e 1907: análise e contexto político, económico e social”; “A participação portuguesa na I Guerra Mundial. Reflexos políticos e sociais: o exemplo de Fafe”; “As Eleições Presidenciais no Estado autoritário português. Processos e actores políticos no concelho de Fafe em 1949 e 1958 e “Visitas de governantes do Estado Novo ao concelho de Fafe (1933-1974): economia, ideologia e política estadonovista num contexto local”.
Nenhum desses temas havia sido objecto de um estudo tão aprofundado e sistematizado, como o foi pelo autor.
Todavia, verdadeiramente inovadores, a meu ver, pela pesquisa bibliográfica e pelo aparato metodológico, são os dois grandes marcos que pontuam a arquitectura desta obra. Refiro-me aos artigos que têm como título “O concelho de Fafe durante a Primeira República (1910-1926): actores, processo político e conjuntura socioeconómica”, de uma actualidade vibrante, dado estarmos em plena comemoração do Centenário da República, bem como “A Revolução de Abril entre 1974 e 1976 num contexto local: a transição política, partidos políticos, comícios e as primeiras eleições autárquicas democráticas em Fafe”. Este é, na minha opinião, o texto mais forte e revolucionário desta obra, cujos sucessos muitos de nós ainda recordam e que tem a mão prodigiosa de um autor que nem havia nascido. Daniel Bastos aborda, com mestria, a dissolução da estrutura autárquica estadonovista em Fafe, os movimentos democráticos que foram criados na altura, nas áreas da política, da agricultura, da educação e do sindicalismo, entre outros, serpenteando, com imensa perícia, pelo “Verão Quente” de 1975 em Fafe. Momentos relevantes são ainda o surgimento dos quatro principais partidos políticos no nosso concelho (PS, PSD, CDS e PCP), e os seus primeiros comícios na então vila, bem como a envolvência e os resultados locais das primeiras eleições autárquicas do regime democrático saído do 25 de Abril de 1974.
Fafe – Estudos de História Contemporânea configura uma exaustiva e profunda investigação bibliográfica e documental. Daniel Bastos leu dezenas de obras colectivas e centenas de artigos de autores de renome científico, revistas universitárias, etc. Basta salientar que, ao longo da obra, são relacionadas mais de 1 400 notas de rodapé e referenciadas aproximadamente três centenas de citações bibliográficas, o que demonstra o cuidado e a segurança do autor na elaboração dos seus textos, afastando ao máximo os laivos de subjectivismo que todo o trabalho historiográfico comporta.
Apresenta, desta forma, uma sólida panóplia informativa, com recurso aos mais autorizados autores nacionais da historiografia do século passado, para enquadrar os episódios, os eventos e os personagens da história local, sempre que a oportunidade os convoca. Na primeira linha, está o recurso à imprensa local e regional, como fonte fundamental e estratégica para a elaboração do conhecimento e da escrita historiográfica das diferentes abordagens do século transacto. Mas também os arquivos (sobretudo o municipal) foram perpassados pela lupa do investigador, que se serve naturalmente de todos os instrumentos epistemológicos para melhor construir os seus textos, devidamente organizados, do ponto de vista metodológico.
A obra é enriquecida ainda por uma ampla gama de ilustrações, fotografias e imagens, grande parte extraída das páginas amarelecidas dos jornais locais, que notoriamente a valorizam, além de se estribar numa linguagem ajustada, consentânea, rica, em termos estilísticos, quase literária, que denota uma forte formação intelectual e cultural do jovem autor.
Fafe – Estudos de História Contemporânea, tocando os momentos fundamentais e as mudanças fulcrais subsequentes às grandes convulsões do século passado, da forma que é feita, acaba por avultar como a primeira história sumária do século XX em Fafe. Arranca com as fugazes visitas a Fafe do rei D. Carlos, ainda em plena monarquia; acompanha a queda da realeza e a ascensão da República, reportando as suas incidências e legado na então vila; equaciona as repercussões em Fafe da I Grande Guerra Mundial; avança pelo Estado Novo e pelas ocorrências que caracterizaram as eleições presidenciais de 1949 e 1958, evidenciando os seus actores locais e os resultados eleitorais; relaciona as visitas dos chefes de Estado e dos governantes do Estado Novo ao concelho de Fafe durante o salazarismo e o caetanismo (1933-1974), e tantas foram, envoltas, meticulosa e orquestradamente, no aparato e no folclore ideológico da época; e, enfim, já depois do novo regime instaurado em 25 de Abril, detém-se, longa e profundamente, no período revolucionário que se operou em Fafe entre os anos de 1974 e 1976.
Não poderia dizer menos de uma obra fantástica, que enriquece extraordinariamente a historiografia e a cultura deste município, que se impõe pelo seu valor intrínseco, e é gigantesco, mas também pelo acréscimo que representam as introdutórias palavras abalizadas de Iva Delgado, essa imensa mulher que enche a memória colectiva portuguesa de orgulho, na esteira de seu pai, o General sem Medo, raiz luminosa de onde iria brotar um país de Liberdade e de Democracia, que é hoje o nosso, pense-se o que se pensar da actualidade política.
Ao Daniel Bastos, só posso deixar o merecido, profundo e sentido abraço de felicitações e a certeza de que Fafe muito tem a beneficiar das suas investigações e do seu trabalho historiográfico, de que Fafe – Estudos de História Contemporânea é apenas a rampa de lançamento!

NB – Gostaria ainda de felicitar a Labirinto, a nossa editora de afectos, por mais esta excelente obra que enriquece a historiografia e a cultura deste município e do país.
É admirável a acção que tem vindo a ser desenvolvida nos últimos 10 anos no concelho e no país, por esta editora fafense, pequena no tamanho mas enorme na projecção que já conseguiu por todo o território nacional. Parabéns aos seus responsáveis e em especial a João Artur Pinto, seu obreiro maior.
Uma palavra ainda para a obra de arte gráfica que é este livro e que tem a grandeza de Manuel Carneiro, da Gráfica do Norte (Amarante), habitual gráfico das edições da Labirinto.
Fotos: Manuel Meira Correia

MUSEU DAS MIGRAÇÕES E DAS COMUNIDADES É UM PROJECTO PRIORITÁRIO PARA FAFE

Sessão de abertura:
Maria Beatriz Rocha Tindade, José Ribeiro, Pompeu Martins
“A Emigração na Primeira República” foi o tema global de um seminário que decorreu esta sexta-feira, 21 de Janeiro, ao longo do dia, na Biblioteca Municipal de Fafe, e que reuniu os melhores especialistas nacionais do fenómeno migratório: professores Jorge Fernandes Alves (Universidade do Porto), José Viriato Capela (Universidade do Minho), Carlos Pazos Justo (Universidade do Minho), Domingo González Lopo (Universidade de Santiago de Compostela), Maria Beatriz Rocha-Trindade (Universidade Aberta/Centro de
Estudos das Migrações e das Relações Interculturais) e Jorge Arroteia (Universidade de Aveiro).
A iniciativa, que teve como objectivo contextualizar o fenómeno migratório daquele período, integrou-se no âmbito das comemorações do Centenário da Implantação da República, que decorrem até Agosto próximo. Nela participaram dezenas de interessados, que encheram a sala durante o dia.
Intervenção do Professor Jorge Fernandes Alves
A organização foi da Câmara Municipal de Fafe, através do Museu das Migrações e das Comunidades e do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais da Universidade Aberta, instituição parceira deste Museu em iniciativas anteriores.
Na sessão de abertura, o presidente do município, José Ribeiro, fez questão de evidenciar que a iniciativa da realização do seminário se enquadra no relançamento do Museu das Migrações, o qual consubstancia “um projecto prioritário para o município de Fafe”, que não se poupará a esforços para o levar por diante.
O autarca reafirmou que estamos em presença de um “projecto nacional” que importa valorizar e consolidar, porque não há outro no país.
Quer na sua intervenção, quer ao longo do dia, em diversos momentos, perpassou a memória querida de Miguel Monteiro, o primeiro obreiro do projecto do Museu das Migrações, com a enorme cumplicidade e apoio da Professora Maria Beatriz Rocha-Trindade, talvez a maior especialista portuguesa das migrações, que está e tem estado nos momentos mais marcantes da curta vida do Museu.
Ao longo do dia, tiveram lugar sete comunicações, sendo que dois comunicantes (Professora Maria do Céu de Melo, da Universidade do Minho e Professor Fernando António Baptista Pereira, da Universidade de Lisboa) não puderam dar o seu contributo por motivos familiares.
Professor Domingo González Lopo
Algumas linhas de força do que foi evidenciado por vários intervenientes:
 - Durante a Primeira República, a emigração continuou, e até disparou, em virtude da instabilidade política e das condições sociais e económicas desfavoráveis ao longo desse período. Entre 1910 e 1914, por exemplo, cerca de 300 mil portugueses partiram para o Brasil, como sucedera desde meados do século XIX. De Fafe, continuou a abalar para terras de Vera Cruz imensa gente nesses anos.
- Intensa sangria da emigração portuguesa na década de 1920-30, a partir das terás empobrecidas do país.
- A emigração, apesar de restringida e condicionada, resultava, contudo, numa enorme mais-valia para o país em termos económicos (remessas) e fiscais. Por isso, os governos faziam vista grossa à emigração sobretudo ilegal e que era avultada.
Intervenção da Professora Beatriz Rocha-Trindade
- Nesse período, curiosamente, Portugal recebeu também um considerável número de imigrantes, vindos sobretudo da Galiza e que se instalaram em Lisboa. Criaram os seus próprios jornais, a sua vida social e cultural. Porém, como sempre acontece, em qualquer parte do mundo, e de3vido aos sentimentos xenófobos, a sua imagem social era imensamente negativa (gente pobre, porca, sem escrúpulos, videirinha, etc.). Onde é que já vimos reproduzido este estereótipo?
- Apontamento de programas governamentais de desenvolvimento do país para evitar a emigração, que nunca foi evitada.
- Por isso, não surpreende que, como referiu Jorge Arroteia, “somos um país nato de migrações”, um país, no fundo, marcado e caracterizado pelo fenómeno migratório, desde os descobrimentos.
- Permanência e diversidade são as notas do fenómeno migratório neste país, como resumiu Maria Beatriz Rocha-Trindade. A permanência da emigração: mais de 100 mil pessoas continuam a sair todos os anos de Portugal para diferentes países do mundo. Diversidade: os destinos (as trajectórias) da emigração têm-se diversificado imenso. Actualmente, há um enorme fluxo migratório para a Grã-Bretanha.
De realçar também a intervenção de Daniel Bastos sobre “O concelho de Fafe durante a Primeira República e o fenómeno migratório”, ressaltando a influência da emigração brasileira e dos seus descendentes na corporização do município na República.
Intervenção de Daniel Bastos,
sobre a emigração em Fafe na 1ª República
Na sessão de encerramento, o vereador da cultura, Pompeu Martins, agradeceu em especial a colaboração da Professora Maria Beatriz Rocha-Trindade nos últimos dez anos para o fortalecimento e internacionalização do Museu das Migrações e das Comunidades e considerou que “o seminário é mais uma peça na consolidação do projecto”.
Voltou, por uma última vez, à memória quente de Miguel Monteiro e agradeceu a todos os que tornaram possível o evento, sobretudo a Isabel ferreira Alves, que tem a incumbência de dar continuidade à paixão e ao empenhamento do saudoso autor de Fafe dos Brasileiros.
Está de parabéns o município de Fafe por esta importante realização cultural, como foi salientado por diferentes e importantes oradores, ao longo do dia.

Fotos: Manuel Meira Correia

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

“Presidenciais 2011”: mais do mesmo, feliz ou infelizmente

Tudo indica, a crer nas sondagens e estudos de opinião que têm saído nos últimos dias, que Cavaco Silva vai ser entronizado como Presidente da República nas eleições do próximo domingo, cumprindo o seu segundo mandato.
Cavaco: que se julga acima de qualquer suspeita, como se pairasse no etéreo, sem necessidade ou dever de fornecer informações ou explicações sobre o que faz ou deixa de fazer. E em democracia, não há “bezerros de ouro”, divinos, mitológicos, intangíveis. Os políticos, neste caso, na sua mais elevada expressão, são e devem ser escrutinados, até à última dúvida. A sua vida só pode ser limpa, nítida, cristalina.
Por isso se lamenta a arrogância de Cavaco face a interrogações sobre as suas ligações ao BPN, designadamente à venda de milhares de acções, que resultaram num elevado “encaixe financeiro”, em virtude da sua amizade e cumplicidade com o vígaro maior do BPN, Oliveira e Costa.
Como se lastima a sobranceria de Cavaco quando se recusa a responder a perguntas que lhe dizem directamente respeito, como a que se relaciona com a polémica permuta da sua casa do Algarve.
A sua insolência quando se atreve a afirmar que há-de nascer o português que seja duas vezes mais honesto que ele próprio e que “de desonestidade já chega”. Claro que é suficiente tamanha sobrançaria!
E, cúmulo dos cúmulos, quando esta quinta-feira vem afirmar que uma segunda volta das eleições presidenciais representaria um agravamento das condições de vida dos portugueses e uma subida dos juros da dívida. Esta afirmação é inconcebível, inqualificável, inadmissível.
Chantagem pura, de um democrata de fresca data, um cristão-novo da democracia que jurou fidelidade ao salazarismo, in illo tempore e que nunca ostentou, como primeiro-ministro (10 anos) e presidente da República (5 anos), o vermelho dos cravos da liberdade.
Tem sido um infeliz nas suas posições e declarações, Aníbal Cavaco Silva.
Quanto à esquerda, nestas eleições, mais uma vez, surge dividida (quatro candidatos) e sem rumo, para gáudio da direita, congregada em torno do seu líder natural.
O mais forte candidato de esquerda à presidência é, sem dúvida, Manuel Alegre. Apresentou ideias interessantes, foi combativo, mobilizador, mas pregou no deserto.
Altíssimo poeta e escritor, político controverso, deputado socialista que passou os últimos anos a criticar as medidas do PS, pagou caro a sua anterior dissidência.
Alegre, que José Sócrates não suporta (como não suporta Soares, como não suporta ninguém, a não ser a si próprio), ficou sozinho nesta campanha. Foi claro e ruidoso o deserto de empenhamento do PS nestas eleições. Um apoio envergonhado, que não dignifica ninguém: se o PS não queria Alegre, não o apoiava. Se o quis apoiar formalmente, tinha de se empenhar até às últimas consequências, com todas as suas figuras e todos os seus recursos, até por disciplina partidária. Não aconteceu isso e cada um fez o que quis, ou não quis.
Alegre foi um candidato refém de um equívoco ideológico: apoiado por dois partidos diametralmente opostos, adoptou um discurso difuso para agradar a ambos, o que não deu grande coisa.
Criticou o governo, quando conveio e não fazia grande mossa. Apostou na defesa e garantia do “Estado Social”, quando todos sabemos que está a ser destruído por José Sócrates, na educação, na saúde, na segurança social, no apoio aos mais pobres e desprotegidos.
Um discurso contraditório que acabaria por não ser atractivo nem sensibilizador.
Mais uma nota: Mário Soares vingou-se de Alegre e inventou Fernando Nobre, que vai fazer alguma mossa nos socialistas e revelar o peso de Soares no eleitorado.
De resto, fica para a história destas eleições a indiferença dos eleitores, a apatia, o imobilismo e a mais que certa vitória da abstenção, em termos finais. Mas não é essa que conta, como se sabe. Valem os votos expressos, e não a opinião de quem fica em casa…
Cavaco vai triunfar. Naturalmente: nunca, depois do 25 de Abril, um Presidente da República sucumbiu ao fim do primeiro mandato. Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio completaram dois mandatos consecutivos. Tem sido a ordem natural das coisas.
Os políticos são o espelho do país. O país não merece melhores políticos.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Daniel Bastos estreia-se em livro com a excelente obra "Fafe - Estudos de História Contemporânea"

O jovem historiador Daniel Bastos (31 anos feitos esta terça-feira) lança  no próximo sábado, 22 de Janeiro, às 21h30, no Teatro-Cinema de Fafe, o seu primeiro livro com o título “Fafe – Estudos de História Contemporânea”, cuja apresentação estará a cargo da Dra. Iva Delgado, Presidente da Fundação Humberto Delgado (seu pai), que assina igualmente o prefácio da obra.
Licenciado em História pela Universidade de Évora, onde foi colaborador do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora (CIDEHUS-UE) no âmbito de estudos de História Contemporânea Portuguesa, Daniel Bastos possui ainda um Curso de Cultura Teológica promovido pelo Instituto Superior de Teologia de Évora.
Com vários artigos publicados na perspectiva local da História Contemporânea Portuguesa, assim como participações em colóquios, conferências, encontros e seminários, é actualmente doutorando em Ética e Filosofia Política na Universidade Católica de Braga – Faculdade de Filosofia, lançando agora uma obra com aproximadamente 400 páginas e com a chancela da editora fafense Labirinto, na qual reúne um conjunto de trabalhos sobre os acontecimentos históricos basilares do séc. XX em Fafe.
Assentando a sua rede de análise e pesquisa na dinâmica local, procurando assim obter uma reflexão de proximidade na região onde entroncam as suas raízes, o investigador construiu, como salienta Iva Delgado “uma visão da história contemporânea de Fafe numa perspectiva de interacção com acontecimentos nacionais e internacionais e com linhas de rumo ideológicas derivadas da mudança de regimes, do monárquico para o republicano, deste para a ditadura do Estado Novo, e finalmente para o regime democrático iniciado em 25 de Abril de 1974 com a Revolução dos Cravos”.
Reflexo do conjunto de pesquisas que tem elaborado ao longo da última década sobre a História Contemporânea do concelho de Fafe, assiduamente vertidas na revista cultural Dom Fafes, tendo inclusivamente em 2005 o historiador sido contemplado com o Prémio de História Local de Fafe, a obra configura ainda, como aponta Artur Coimbra, historiador local que assina o posfácio “uma exaustiva e profunda investigação bibliográfica e documental. Daniel Bastos leu dezenas de obras colectivas e centenas de artigos de autores de renome científico, revistas universitárias, etc. Basta salientar que, ao longo da obra, são relacionadas mais de 1 400 notas de rodapé e referenciadas aproximadamente três centenas de citações bibliográficas, o que demonstra o cuidado e a segurança do autor na elaboração dos seus textos, afastando ao máximo os laivos de subjectivismo que todo o trabalho historiográfico comporta”.
Um historiador que se afirma, apesar da sua juventude. E que chegará longe, estou certo!

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Homenagem a Fafe


Em redor de ti soam as flautas
- pelas montanhas, hortas e vergéis!
Ó terra antiga, eternamente nova
Noiva dos artistas e segréis!

À tua volta o sol – mar de calor!
Os rios como serpentes e os carvalhos
Emoldurando de sonhos e de cor
Os destinos, os caminhos e os atalhos…

Ó nobre burgo de poetas!
A quem terá sorrido mais tanta beleza?
- Tu és, terra amada, sem favor
Obra-prima da Natureza!

Artur F. Coimbra

Justiça de Fafe, 5/5/83

(Foto: Manuel Meira Correia)

“A Emigração na Primeira República” debate-se em Fafe esta sexta-feira

A Emigração na Primeira República” é o tema para um seminário que se realiza esta sexta-feira, 21 de Janeiro, ao longo do dia, no auditório da Biblioteca Municipal de Fafe e que conta com a participação de alguns dos melhores investigadores nacionais do fenómeno da emigração, que é iniludivelmente um dos traços identitários do Portugal Contemporâneo.
Promove o evento a Câmara Municipal de Fafe, através do Museu das Migrações e das Comunidades, no âmbito das comemorações do centenário da implantação da República.
A iniciativa tem como objectivo contextualizar o fenómeno migratório daquele período e conta com o apoio activo do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais – CEMRI – (Universidade Aberta), instituição parceira do Museu em iniciativas anteriores.
O evento decorre entre as 9h00 e as 17h30 de sexta-feira e reúne investigadores de várias universidades nacionais e estrangeiras, nomeadamente, da Universidade Aberta e do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais, da Universidade de Lisboa, da Universidade do Minho, da Universidade do Porto e da Universidade de Santiago de Compostela.
Os trabalhos são divididos nos painéis “A emigração e a imigração em Portugal” e “Portugal/Brasil – Factos, gentes e representações” e apresenta o seguinte

PROGRAMA

09:00 Recepção dos participantes
 09:30 Sessão de Abertura
Dr. José Ribeiro – Presidente da Câmara Municipal de Fafe
Dr. Pompeu Miguel Martins – Vereador do Pelouro da Cultura
Prof.ª Doutora Maria Beatriz Rocha-Trindade – Investigador/Fundador do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais – CEMRI – (Universidade Aberta)

Painel 1 - Primeira República - A Emigração e a Imigração em Portugal
Moderação: Prof. Doutor Albertino Gonçalves (Universidade do Minho/ Instituto de Ciências Sociais)

10:00 Prof. Doutor Jorge Fernandes Alves (Universidade do Porto/ Faculdade de Letras da Universidade do Porto) - Políticas e práticas de emigração na Primeira República.

10:30 Prof. Doutor Viriato Capela (Universidade do Minho/Instituto de Ciências Sociais) – A emigração e o surgimento da acção regionalista em Portugal.

11:00 Coffee-break

11:30 Dr. Carlos Pazos Justo (Universidade do Minho/Instituto de Letras e Ciências Humanas) - A emigração espanhola em Lisboa na Primeira República: o caso do enclave galego.

12:00 Professor Doutor Domingo González Lopo (Universidade de Santiago de Compostela/Faculdade de História e Xeografia/Cátedra UNESCO nº 226 sobre Migraciónes) - Os lisboanos galegos: evolución económica, social e ideolóxica dun colectivo inmigrante en Portugal.

12:30 Debate

13:00 Almoço

Painel 2 – Portugal/Brasil – Factos, Gentes e Representações
Moderação: Dr. Henrique Barreto Nunes (Universidade do Minho/Conselho Cultural)
         Dra. Isabel Alves (Museu das Migrações e das Comunidades)

14:30 Prof.ª Doutora Maria Beatriz Rocha-Trindade (Universidade Aberta/Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais) – Portugal-Brasil: Trajectórias de sucesso e de insucesso no contexto migratório.
  
15:00 Dr. Daniel Bastos (Câmara Municipal de Fafe) – O concelho de Fafe durante a Primeira República e o fenómeno migratório.

15:30 Prof. Doutor Fernando António Baptista Pereira (Universidade de Lisboa/Faculdade de Belas-Artes) - Um discurso museológico sobre a emigração e os “Brasileiros” em Fafe durante a Primeira República.

16:00 Coffee-Break

16:30 Prof. Doutor Jorge Arroteia (Universidade de Aveiro / Emigrateca Portuguesa) – Uma visão retrospectiva sobre as migrações portuguesas.

17:00 Debate, Balanço e Conclusões

17:30 Encerramento – Dr. José Ribeiro, Presidente da Câmara Municipal de Fafe
                    
 Visita ao Museu das Migrações e Núcleo das Artes (Teatro - Cinema)

A inscrição é gratuita e pode ser feita pelos telefones 253 490 908 ou pelo email: geral@museu-emigrantes.org.

sábado, 15 de janeiro de 2011

AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS, DISSE PESSOA


As cartas de amor são ridículas, disse Pessoa
que escreveu cartas de amor. São ridículas as citações
obsessivas, pornográficas de Pessoa. São ridículas
as comemorações que nada comemoram,
nem ao menos os poetas
que passaram pela vida, na indiferença de quem passa.
E nem só dos poetas: ridículas são as comemorações
da juventude que nada tem para festejar, nem o estudo,
nem o emprego, nem a habitação. Ridículo é quem decreta
os anos nacionais e internacionais sem sentido: os anos
passam, ridículos, nada muda. Ficam os colóquios, os
congressos, as reuniões, as exposições, os livros,
as parangonas, os jornais, as citações ridículas. Nada se
aproveita senão papel e palavras vistosas, doentias, vãs.
A criança continua sem protecção, o deficiente sem direitos,
a mulher sem igualdade, o jovem sem futuro, e paz sem
conteúdo. Fica o ridículo dos gestos, o ridículo dos mitos,
o ridículo das intenções dos funcionários do bom-senso.
Ridículo é eu estar aqui a escrever como quem se obstina
em extrair cristais das pedras, positivamente desinspirado,
fumando um ridículo cigarro, ouvindo o ridículo ladrar
de um cão repetitivo, pensando que é afinal ridículo não
ter nada que pensar. E eu esperava construir um poema
minimamente metafísico, quer dizer, ridículo!...