sábado, 23 de outubro de 2010

LUTERANO INCORRIGÍVEL

Faço minhas as palavras judiciosas que Lutero pronunciou há quase quinhentos anos, para mais numa altura grave do viver português e internacional.
Nesse sentido (e só nesse), assumo-me luterano incorrigível.
Estamos demasiado sisudos, taciturnamente engravatados, embebidos umbilicalmente na crise, para que possamos dar um ar da nossa graça.
Será que não se pode rir no céu? Será que estamos condenados a chorar na Terra? Ate à eternidade?
Gosto de rir, e de sorrir, libertar o meu lado bem-disposto, de forma a tornar menos penosa a existência. As rugas na testa dão a medida dos anos a tocar a vida com o astral em cima, mesmo que a vontade às vezes não seja tanta de abrir os lábios num sorriso que ilumine cada dia...
Volto a Lutero: se não se pode rir no céu, não quero ir para lá. Para o paraíso muito menos. Para o inferno, nem pensar. Ele está por aqui ao virar da esquina.
Para desopilar, quero partilhar um poema de um extraordinário poeta contemporâneo, Joaquim Pessoa, nascido em 1948 e autor de duas dezenas livros de poesia (e também letras de imensas canções que por aí se trauteiam), o qual me foi remetido por um amigo.
Tem a ver com o quotidiano, com o presente, com quem nos coloca entre insuportáveis tenazes. Um poema que dá para sorrir. E para pensar, tão actual e forte é a sua mensagem.

Poema de agradecimento à corja

Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado
pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem
dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.
Joaquim Pessoa

2 comentários:

Luísa disse...

Joaquim Pessoa, SEMPRE!

Quanto ao pensamento de Lutero, permite-me fazer parte do grupo?
...também não quero ir para o inferno!Consta que lá é quente e o calor faz-me mal.E depois, uma alma nunca se sabe se ri...se chora...se pena com calor ou se explode e vai embora!
O melhor mesmo, é sermos boas pessoas, hoje!Fazermos os outros felizes, hoje!
Beijinho terno, hoje!

ARTUR COIMBRA disse...

Cara Luísa:
entre para o grupo dos que não querem ir para o inferno, e muito menos se lá não se puder rir. Dizem que o inferno é um local animado, porque tudo o que não seja inocente ou criança (e todos deixámos de o ser...) vai lá parar.
Não sei se é ou não, porque estas coisas nunca se conhecem com antecedência...
Concordo, finalmente,em que o melhor mesmo é sermos boas pessoas nesta vida. Sermos e fazermos os outros felizes, dentro do possível. Porque, também, valha a verdade, o inferno é na Terra...
Um beijo amigo.