domingo, 4 de julho de 2010

CONHECER JOSÉ CARDOSO VIEIRA DE CASTRO


José Cardoso Vieira de Castro é uma das personalidades mais controversas, paradoxais e românticas do imaginário fafense, que importa aqui divulgar. Para que a comunidade a possa conhecer. Porque só se pode amar aquilo que se conhece.
Tido pelos seus contemporâneos como “mártir da loucura da honra” (Jaime Moniz), “temperamento violento, índole apaixonada, alma nobre, esplêndido talento, coração afectuoso, sempre aberta a mão da caridade…” (Vitorino da Mota) e “carácter inquieto e febril” (Júlio César Machado), Vieira de Castro é valorizado pelos seus estudiosos contemporâneos, como Alexandre Cabral, entre outras facetas, na sua fulgurante inteligência e notáveis dotes oratórios. O maior camilianista do século XX, falecido há alguns anos, ressalva ainda que o temperamento exaltadamente combativo, ao mesmo tempo que generoso, criou para seu uso uma concepção de honra e justiça de índole assaz contraditória, na qual é fácil descortinar os típicos revérberos da ideologia romântica.
Também o fafense Álvaro Fernando Moniz Rebelo, autor da excelente obra JC Vieira de Castro (1995), em curso de reedição, resume que foi uma existência muito breve, mas intensamente vivida. Se me é permitido o paradoxo, dir-se-ia que Vieira de Castro vivendo pouco, viveu muito (…) Vieira de Castro ou era rodeado de amor ou de ódio.
Estas são algumas das mais judiciosas considerações sobre José Cardoso, que nasceu em 2 de Janeiro de 1838, no Porto, filho do desembargador fafense Luís Lopes Vieira de Castro, da Casa do Ermo, em Paços. Foi ele que lhe deu a alma fafense e que o religou à nossa memória.
Teve uma infância mimada e tranquila, passada entre o Colégio de Nª Sª da Lapa, no Porto, onde foi educado, e o ambiente aldeão do Ermo, casa de seu pai.
Aos 15 anos traduziu a obra Solidão, de Zimmermann, de que mais tarde se viria a arrepender e matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde se meteu em grossas alhadas. Em 1857, com 19 anos de idade e quartanista de Direito, meteu-se no célebre “Incidente Barjona de Freitas”, acabando excluído da Universidade por dois anos. Porém, não perdeu o seu tempo e acabou por ficar na história porque, exactamente nesse período de “férias forçadas”, conheceu Camilo Castelo Branco na Hospedaria “Estrela do Norte”, no Porto. Camilo tornar-se-ia o seu maior amigo e confidente, pela vida fora, apesar da sua diferença de idades (13 anos superior no autor de O Amor de Perdição).
Em 1859, regressou à Universidade, voltou a meter-se em sarilhos, desta feita na famosa “questão do traje” e foi riscado “perpetuamente” da Universidade (pena que não seria executada).
Em 1860, tinha José Cardoso 22 anos, refugiou-se no Ermo, aí acolhendo o seu amigo Camilo Castelo Branco, na altura em que se encontrava a monte, fugido à justiça, acusado do crime de adultério na pessoa da sua amada Ana Plácido. Dessa experiência, gloriosa para todos nós, fala nas páginas das Memórias do Cárcere, nos seguintes termos:

Fui de Santo António das Taipas para as cercanias de Fafe, quinta do Ermo, onde me esperava, com os braços abertos e o coração no sorriso, José Cardoso Vieira de Castro. Falseei a verdade. Vieira de Castro esperava-me a dormir, naquela madrugada dele, que era meio-dia no meu relógio.
A quinta do Ermo está situada no ponto mais despoético e triste do mapa-múndi. A casa é magnífica: mas os caminhos que a ela vos conduzem são algares, barrocais, trilho de cabras, vielas tortuosas, e aspérrimos desfiladeiros
.

Aí se fala também das festas de Antime, do convívio de Camilo com os cavalheiros mais poderosos da Vila, do jogo do pau, de que os Vieiras de Castro eram denodados praticantes (excepto, José Cardoso…) e das oito linhas que o (fraco) poeta escreveu na Ponte do Barroco, no dia 15 de Junho de 1860. Diziam assim:

Ruge a tormenta espumosa.
Mas no mar serena entrou;
Tal a vida tormentosa:
Chega à campa, e serenou.

Triste imagem desta vida.
Que me Deus fadou a mim!
Diz-me, ó onda enfurecida,
Qual teu principio e teu fim?

José Cardoso Vieira de Castro, aos 23 anos (1861), publicou a obra Camilo Castelo Branco: Notícia da sua Vida e Obras, considerada por muitos como a legitimação ou desculpabilização do adultério de Camilo.
Em 1861-62, desempenhou o cargo de Vereador e Vice-Presidente da Câmara de Fafe e no ano seguinte regressou à Universidade de Coimbra, para concluir a seu curso de Direito, dez anos depois de o ter começado.
Em 1865/66, cumpriu o seu mandato como deputado às Cortes pelo círculo de Fafe, tendo produzido mais de uma dezena de discursos que marcaram a contemporaneidade. Rodrigues Sampaio proclamou, na altura: Nem a tribuna antiga, nem a moderna nos deram melhores modelos de eloquência.
Em 1866, publicou os seus Discursos Parlamentares e partiu para o Brasil com 10 mil exemplares daquela obra, que projectava vender, para desipotecar a sua Casa do Ermo. Acusavam alguns que o que ele pretendia mesmo era ajustar casamento com uma jovem rica, o que veio a acontecer.
Em 1867, com 29 anos, pronuncia no Rio de Janeiro o célebre Discurso sobre a Caridade e casa com a jovem Claudina Adelaide Guimarães, de apenas 15 anos, filha do riquíssimo capitalista Comendador António Gonçalves Guimarães, emigrante fafense, natural de S. Clemente de Silvares, importante livreiro e director do Banco do Brasil e do Banco Rural e Hipotecário.
Dois anos depois, fixa residência em Lisboa, na célebre Rua das Flores, 109.
Em 7 de Maio de 1870, tinha 32 anos e três de matrimónio, surpreende a esposa a escrever uma pretensa carta de amor a José Maria de Almeida Garrett, sobrinho do escritor das Viagens na Minha Terra.
Dois dias depois, ruído pelos ciúmes e atormentado pela loucura da honra, José Cardoso assassina a esposa Claudina, por sufocação com a roupa da cama, depois de a ter tentado matar fazendo-a ingerir grande quantidade de clorofórmio.
Preso, foi julgado e condenado a 10 anos de degredo em Angola, pena posteriormente agravada para 15 anos.
Em 5 de Setembro de 1871, com 33 anos, partiu de Lisboa para cumprir a pena. Pouco mais de um ano depois, em 5 de Outubro de 1872, com apenas 34 anos de idade, o infeliz e desgraçado José Cardoso morria em Luanda, às 9 horas da noite, vítima de uma febre perniciosa fulminante, forma gravíssima de paludismo ou de malária.
Ninguém recorda hoje o tribuno excelente, o político ambicioso e inteligente, o eloquente orador, o autor de Uma Página da Universidade (Porto, 1858), Discursos Parlamentares (Lisboa, 1866), A República (Porto, 1868), Colónias (Porto, 1871), ou Correspondência Epistolar entre José Cardoso Vieira de Castro e Camilo Castelo Branco, entre outras importantes obras, mas toda a gente aponta o Vieira de Castro que estrangulou a mulher e figura na Galeria dos Criminosos Célebres, como alguns pretendem. O que não deixa de ser gravosa injustiça!
José Cardoso Vieira der Castro está consagrado, justamente, na toponímia fafense há mais de um século!

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