Há mensagens a circular na net que são autênticos murros no estômago do nosso comodismo quotidiano, tão habituados que estamos a construir mundos virtuais onde apenas existe o nosso egoísmo, um universo de cartão e de felicidade com que agasalhamos a nossa mediocridade, onde tudo é perfeito, todas as peças encaixam, todos os sentimentos são pré-fabricados. Não reparamos na pobreza, na desigualdade, na privação de que muitos sofrem à nossa volta das coisas aparentemente mais simples e que para nós são triviais.
Gostaria de partilhar com os meus leitores esta mensagem que viaja, de endereço em endereço, pelo correio electrónico e que nos dá que pensar. Talvez muitos já a conheçam, mas outros haverá para quem é novidade. É uma situação um pouco caricaturada e de proveniência brasileira, mas cujos contornos bem podem ser encontrados na mesa de qualquer “praça da restauração” de um qualquer centro comercial deste país…
“Entrei apressado e com muita fome no restaurante. Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, porque queria aproveitar os poucos minutos que dispunha naquele dia, para comer e acertar alguns bugs de programação num sistema que estava a desenvolver, além de planear a minha viagem de férias, coisa que há tempos que não sei o que são.
Pedi um filete de salmão com alcaparras em manteiga, uma salada e um sumo de laranja. Afinal de contas, fome é fome, mas regime é regime, não é?
Abri o meu portátil e apanhei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim:
- Senhor, não tem umas moedinhas?
- Não tenho, menino.
- Só uma moedinha para comprar um pão.
- Está bem, eu compro um.
Para variar, a minha caixa de entrada está cheia de correio electrónico. Fico distraído a ver poesias, as formatações lindas, rindo com as piadas malucas.
Ah! Essa música leva-me até Londres e às boas lembranças de tempos áureos.
- Senhor, peça para colocar margarina e queijo.
Percebo nessa altura que o menino tinha ficado ali.
- Ok. Vou pedir, mas depois deixas-me trabalhar, estou muito ocupado, está bem?
Chega a minha refeição e com ela o meu mal-estar. Faço o pedido do menino, e o empregado pergunta-me se quero que mande o menino ir embora.
O peso na consciência, impede-me de o dizer. Digo que está tudo bem. Deixe-o ficar. Que traga o pão e mais uma refeição decente para ele.
Então sentou-se à minha frente e perguntou:
- Senhor o que está fazer?
- Estou a ler uns e-mail.
- O que são e-mail?
- São mensagens electrónicas mandadas por pessoas via Internet (sabia que ele não ia entender nada, mas, a título de livrar-me de questionários desses, continuei):
- É como se fosse uma carta, só que via Internet.
- Senhor, você tem Internet?
- Tenho sim; é essencial no mundo de hoje.
- O que é Internet?
- É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas,
notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem de tudo no mundo virtual.
notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem de tudo no mundo virtual.
- E o que é virtual?
Resolvo dar uma explicação simplificada, sabendo com certeza que ele pouco
vai entender e deixar-me-ia almoçar, sem culpas.
vai entender e deixar-me-ia almoçar, sem culpas.
- Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos tocar, apanhar,
pegar... é lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer.
Criamos as nossas fantasias, transformamos o mundo em algo que queríamos
que fosse.
pegar... é lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer.
Criamos as nossas fantasias, transformamos o mundo em algo que queríamos
que fosse.
- Que bom isso. Gostei!
- Menino, entendeste o significado da palavra virtual?
- Sim, também vivo neste mundo virtual.
- Tens computador?! - exclamo eu!!!
- Não, mas o meu mundo também é vivido dessa maneira...Virtual.
A minha mãe fica todo dia fora, chega muito tarde, quase não a vejo, enquanto eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que vive a chorar de fome e eu dou-lhe água para ele pensar que é sopa; a minha irmã mais velha sai todo dia também, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, porque ela volta sempre com o corpo; o meu pai está na cadeia há muito tempo, mas imagino sempre a nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos de Natal e eu a estudar na escola para vir a ser um médico um dia. Isto é virtual não é, senhor???
A minha mãe fica todo dia fora, chega muito tarde, quase não a vejo, enquanto eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que vive a chorar de fome e eu dou-lhe água para ele pensar que é sopa; a minha irmã mais velha sai todo dia também, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, porque ela volta sempre com o corpo; o meu pai está na cadeia há muito tempo, mas imagino sempre a nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos de Natal e eu a estudar na escola para vir a ser um médico um dia. Isto é virtual não é, senhor???
Fechei o portátil, mas não fui a tempo de impedir que as lágrimas caíssem sobre o teclado.
Esperei que o menino acabasse de literalmente 'devorar' o prato dele, paguei, e dei-lhe o troco, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um 'obrigado, senhor, você é muito simpático!”.
Esperei que o menino acabasse de literalmente 'devorar' o prato dele, paguei, e dei-lhe o troco, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um 'obrigado, senhor, você é muito simpático!”.
Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel nos rodeia de verdade e fazemos de conta que não percebemos!”
2 comentários:
Desliguemos a conexão virtual para afinarmos os vínculos com quem de nós precisa...
Uma verdadeira história de apuramento da veia humana, numa época tão festiva e familiar!
Façamos Natal todos os dias...
Beijinho terno, com muita estima e admiração!
Concordo inteiramente. Hoje vivemos demasiado virtualmente, e pouco nos encontramos na realidade do quotidiano. Mandamos emails, enviamos mensagens e raramente falamos. Há imensa comunicação mas escasso contacto humano.
Um beijinho também para si, com muito afecto e consideração.
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