1. As eleições legislativas do passado dia 5 de Junho, permitem diversificadas leituras políticas. A primeira delas, obviamente, significa que os eleitores votaram, inequivocamente, no sentido da mudança, da alteração profunda do paradigma que vinha sendo seguido nos últimos anos pelo governo socialista. Como sufragou, de modo convincente, a necessidade da estabilidade política, neste caso, não através de um único partido, mas do acordo político das duas maiores forças da direita, o PSD e o CDS/PP, o qual acaba de ser anunciado, dando origem ao XIX governo constitucional.
Estão, assim, criadas as condições para que não haja desculpas para as profetizadas reformas que é necessário levar a cabo, e para o duro combate que vai ser necessário empreender para cumprir, a tempo e horas, as exigências especulativas dos bancos europeus, acobertados na chamada “troika”, e que nos vão levar os dedos e os anéis no fim do pagamento dos 78 mil milhões de euros que nos estão a emprestar.
2. Uma segunda leitura sobre as eleições tem a ver com as famigeradas sondagens. Durante semanas, davam os dois partidos principais com um alegado empate técnico, o que levou o arguto e prazenteiro Paulo Portas a declarar, vê-se agora que com toda a razão, que o que estava em causa era um “empate lírico”, ou seja, que os estudos de opinião não corresponderiam à vontade do eleitorado, como veio a verificar-se. O que levanta a questão grave da confiança, da credibilidade e da fiabilidade das sondagens, por um lado e, por outro, a de saber até que ponto os cidadãos contactados pelas empresas do sector dizem a verdade sobre as suas opções políticas.
De todo o modo, o que se verificou, lendo os resultados, foi um tremendo “buraco” nas previsões das principais sondagens. A diferença de mais de 10% entre o PSD e o PS nunca teve sequer uma aproximação nos vários estudos de opinião apresentados nas semanas anteriores às eleições. A famosa “margem de erro”, desta vez, foi demasiado larga!...
3. Finalmente, por agora, há uma terceira reflexão e que tem a ver com a elevadíssima taxa de abstenção registada nestas eleições (41,09%), a maior de todas as eleições legislativas, num momento particularmente grave da vida nacional e que não é justificável, por razões climatéricas ou outras, com as quais costumamos mascarar a incomodidade da situação.
Significam os números que pouco menos que metade dos portugueses não se revê nos actuais partidos políticos, e tantos eles são, da extrema-esquerda à extrema-direita. Sobretudo, foram os jovens a abster-se de participar nestas eleições, o que agrava a situação. A apatia, o desencanto, a desilusão, o conformismo, a falta de motivação são “sinais” que devem inquietar fortemente os responsáveis políticos, numa altura em que as forças partidárias continuam a perder atractividade, por serem vistas como centros de interesses e não como universos de valores e de ideologias. A tal facto também não é alheia a convicção generalizada de que nos partidos e nos governos estão sempre as mesmas pessoas. Basta ver quanto tempo esteve no governo José Sócrates; há quanto tempo está na vida política e no governo Paulo Portas; de quantos anos é feito o percurso partidário de Passos Coelho, desde os tempos da jota. São exemplos destes que levam muitos a opinar que a não renovação do pessoal político é também um factor de desmobilização do eleitorado.
Outra questão é a limitação dos mandatos dos titulares dos cargos políticos: se o Presidente da República, os presidentes de câmara e de junta têm os seus mandatos limitados por lei, porque carga de água não há-de acontecer o mesmo com os deputados (que se perpetuam nas cadeiras de S. Bento) ou os titulares dos governos regionais (João Jardim já está no poder na Madeira quase há tanto tempo como Kadaffi...)?
Tem de haver moralidade, justiça e credibilidade no funcionamento do sistema político...
Por isso, os jovens descomprometidos começam a ocupar outros espaços de sociabilidade que não os partidos políticos e a desinteressar-se pela vida partidária.
Esta, a meu ver, é uma reflexão que terá de fazer-se em diferentes estruturas e areópagos, para que a democracia não acabe por esvaziar-se de conteúdo e de pertinência, reduzindo-se ao formalismo regular das eleições e das “maiorias”, por muito representativas que possam ser!...
(artigo publicado parcialmente no semanário Povo de Fafe de 17 de Junho de 2011, na coluna "Escrita em Dia").
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