1. Nunca, como por estes dias aziagos, os portugueses experimentaram tão seriamente a prova inclemente da incerteza e do medo. Pelo menos, que me recorde, desde que a democracia foi reinventada em Portugal, após o 25 de Abril de 1974.
Os portugueses, mais pobres ou mais remediados, sobretudo no universo da classe média, vivem hoje momentos de angústia e temor, que é indisfarçável, perante o quotidiano e o futuro.
As certezas que foram construindo as suas perspectivas e cimentando os seus planos de vida começam a desabar, como baralhos de cartas, sem que eles tenham alguma responsabilidade pelo que está a passar-se.
A “roubalheira colossal” que este governo anunciou, para 2012 e 1013, pelo menos, com os cortes cegos e drásticos nos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores da função pública, a radical diminuição das deduções à colecta em matéria fiscal para as famílias da classe média, a violentação assumida do chamado “Estado Social”, traduzida em cortes incorrigíveis em áreas sensíveis como a educação, a saúde e a segurança social, além dos desbragados aumentos da electricidade, do gás, dos transportes e dos bens essenciais, acaba por traduzir-se no acréscimo de um sentimento de insegurança, de hesitação e de desconfiança.
O mundo que até estes dias nos dava razões para estarmos confiantes, pela sua estabilidade, em que cada português podia fazer as suas contas e delinear o seu futuro e o dos seus, em função dos rendimentos expectáveis, acaba de sofrer um abanão de difíceis repercussões.
A gravíssima crise que os portugueses comuns não provocaram mas que vão pagar com língua de palmo, queiram ou não, leva a que ninguém saiba com algum realismo com o que contar. Os portugueses temem hoje seriamente e com fundadas razões pelo dia de amanhã: pelo seu emprego (os que conseguem ter um emprego), pelo seu vencimento, pelo futuro dos seus filhos, pelo sistema de saúde, sobretudo o SNS, tendencialmente gratuito, pela sua reforma, pelo que lhes pode acontecer depois de uma vida de trabalho e dedicação ao emprego e ao país.
Tudo hoje é incerteza e insegurança, o que é dramático, para a imensa maioria dos portugueses, por razões que têm a ver com decisões políticas erradas e altamente lesivas dos interesses nacionais, tomadas por uma meia de governantes irresponsáveis que cortam e pregam a seu bel-prazer, para ganharem votos, hipotecando as gerações vindouras com decisões criminosas como a compra dos submarinos que não servem para nada, a salvaguarda de um BPN que foi um covil de gananciosos, as tristemente célebres parcerias público-privadas que vão afundar os orçamentos futuros e o “buraco” da Madeira, de que se desconhece a dimensão. Todos os quadrantes político-partidários do centro-esquerda, mais ou menos, estão comprometidos com esta bandalheira de país, com uma soma incomensurável de desperdício e de decisões que deixam cada vez menos futuro ao futuro dos portugueses, afinal, os menos culpados do que está e vai passar-se. E deveriam pagar por isso, não tenho a mínima dúvida. Sou dos que entendem que as responsabilidades políticas são para serem assumidas claramente e que os recursos públicos têm de ser gastos com a maior parcimónia, para que não entremos (como já entrámos há muito), numa espiral de retrocesso social e civilizacional, de empobrecimento rápido de todo um povo que não tem culpa da incapacidade e da inépcia de muitos dos políticos que se nos oferecem às eleições e que deveriam estar, não em S. Bento, mas no Limoeiro!...
São eles que estão a descredibilizar e a destruir a democracia!
2. As perplexidades vão em vários sentidos. Desde logo, no sentido daqueles governantes e políticos que, tendo habitação em Lisboa, não são capazes de abdicar de um subsídio mensal que chega a mais de 1400 euros. É legal? Pode ser, porque são os políticos que o decidem, para os seus interesses. É imoral? Completamente, numa altura em que os portugueses se vêem confrontados com imensas dificuldades, cortes de subsídios e subvenções. Porque é que os governantes ou os deputados têm de ter direito àquele subsídio, e um professor ou um médico que se desloquem para 400 quilómetros da sua habitação, têm de alugar casa ou quarto e não recebem nem mais um cêntimo para fazer face a essa renda?
Ainda bem que alguns dos beneficiados, sobretudo ministros, abdicaram daquele direito. Estão de parabéns! Pena que não sejam todos os que deles beneficiam…
Perplexidade é também o aumento salarial que o director nacional e outros dirigentes da PSP concederam a si próprios no ano passado, o que apenas agora foi conhecido, sem que o ministro, ou quem quer que seja, tenha atalhado essa vergonha! …
Como é perplexidade ter-se conhecimento de que o corte nos subsídios não é para todos, para além dos funcionários públicos e pensionistas. Os funcionários da banca estão em negociações para manterem os subsídios, alegando cláusulas contratuais inerentes aos fundos de pensões. Os pensionistas do Banco de Portugal também não querem ser penalizados, alegadamente por a instituição integrar o Eurosistema e ter sistemas diferentes. Também os trabalhadores da TAP deverão escapar aos cortes, por uma aldrabice conseguida no ano anterior, em que foram autorizados pelo então governo para, em vez de baixar os salários em 5%, aplicar essa redução nos subsídios de Natal e de férias.
Perplexidade máxima: saber-se que o capital, os rendimentos especulativos e as altas fortunas não são compelidos ao “esforço solidário” de ajustamento orçamental de que tantos nos saturam os ouvidos!...
Este país, alegadamente justo, equitativo e equânime, é um alfobre de injustiças e de fugas. Onde as leis gerais se fazem para que se institucionalize a excepção. Um país de “chico-espertismo” no seu esplendor.
Um país onde só os trabalhadores por conta de outrem ou os pensionistas cumprem as suas obrigações: o resto, é o regabofe de quem mais tenta escapar ao fisco, à segurança social, ao cumprimento dos seus deveres, àquela coisa básica que se chama “justiça”!...
(Texto publicado na coluna "Escrita em Dia" do semanário Povo de Fafe, de 28/10/2011)
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