Na tentativa de condicionar, à
partida, a greve desta quinta-feira, o primeiro-ministro Passos Coelho, afirmou
que “O país precisa menos de greves e mais de trabalho e rigor”.
Lá foi concedendo que o direito à
greve é inalienável mas que, enfim, na situação ideal, deveria ser utilizado
quando não prejudicasse ninguém. Tipo, fins de semana, mas nem para todos os
sectores e nas férias, no caso dos professores.
Na situação ideal, aprendida com
Salazar, e não será por acaso que há uns meses foi fotografado, sem o querer,
com um livro sobre o Ditador debaixo do assento da sua viatura, o melhor era
nem haver greves que prejudicassem o normal funcionamento do país. Ou talvez suspendendo
a democracia. Por alguns meses ou anos.
Mas é da concretização destes
desejos íntimos que o homem está livre: o povo vai muito para além dos seus correligionários
(muitos deles também paralisaram) e vai muito para além de 2015, altura em que
dele nos veremos livres, sendo que já hoje é tarde!...
O mais grotesco da situação é que
aparecem amplificadores, aqui e ali, sobretudo nos fóruns radiofónicos, a
seguir esta estratégia anti-nacional de dividir os portugueses entre os que
hoje trabalharam, mesmo que ontem e amanhã não façam nada, e os manguelas que
fizeram greve.
Aliás, este governo tem tido como
visível missão cavar um fosso entre diversos sectores da sociedade portuguesa,
colocando cidadãos contra cidadãos, na crença de que assim reinará melhor.
Começou por promover a revolta dos
jovens contra a “geração grisalha”, tentando fazer crer que os mais velhos são
responsáveis pelo facto de as novas gerações não terem emprego, quando a
responsabilidade é de todos os Coelhos, Gaspares e Cavacos que nos têm
desgovernado nos últimos trinta anos.
Depois, ensaiou dividir os
trabalhadores, entre os que exercem no sector público, alegadamente
privilegiados, e os que trabalham nas empresas, sempre mais empreendedores,
mais talentosos, mas arriscados, enfim, mais “patriotas”, como essa gente
julga.
Finalmente, e nas últimas semanas, o
governo empenhou-se fortemente em colocar alunos e pais contra essa classe parasitária
e pouco trabalhadora como suas excelências consideram os professores, e todos
os funcionários públicos.
Nesta quinta-feira, procurou jogar
trabalhadores contra patrões, no sector privado os utilizadores dos serviços públicos
contra os servidores do Estado.
É esta a estratégia abominável deste
governo: promover a guerra entre os portugueses; colocar portugueses contra
portugueses, novos contra velhos, públicos contra privados, alunos contra
professores.
A greve foi estupidamente
dramatizada nos últimos dias, por motivos meramente políticos, dos governantes
e suas redes clientelares.
Falaram, na imprensa, em perdas de
mais de 500 milhões de euros, se a greve fosse geral (que nunca é), quando nem
o Menino Jesus já acredita nestes números.
É outro papão que dá jeito aos
políticos, nestas ocasiões.
É claro que não há qualquer credibilidade
nestas cifras e nesta dramatização. Ainda a semana passada, Lisboa parou no
feriado de Santo António e esta semana no Porto, em Braga e em Guimarães, para
citar algumas cidades, não se trabalhou, e não consta que tenha transpirado
tanto desassossego.
Fiz greve.
Por tudo o que antecede, mas por
outras razões.
Para protestar contra um governo em
que nunca acreditei, e que simplesmente já não funciona, a não ser para as
televisões e os jornais.
Para protestar contra uma estratégia
política e ideológica de desmantelamento do Estado Social e de destruição de
tudo quanto é público em Portugal, da escola à saúde e à segurança social. O
claro e indisfarçável objectivo é desarticular e degradar a oferta pública para
oferecer esses sectores à iniciativa privada.
Para protestar contra uma política
que tem como propósito estratégico o empobrecimento generalizado da população,
dos trabalhadores aos reformados; a criação de condições para empurrar os mais
jovens e qualificados para os caminhos da emigração, como há meio século se não
via. O que esta gente pretende é “reconstruir” um país “pobre, miserável mas
honrado”, na senda de Salazar, que muitos gostariam de recuperar. Outra coisa
não representa esta ideia que a velha lengalengam muito em voga por estes dias,
de que temos de ter credibilidade perante os nossos credores, cumprir as suas determinações.
Pobres mas honrados!
Para protestar, assim, contra um
governo vergado caninamente aos ditames de uma Europa podre, tecnocrática e
barbaramente capitalista.
Contra um governo que em dois anos
de vigência demonstrou, sistematicamente, estar mais preocupado em agradar aos ditos
“mercados” que nos exploram até à medula do que em defender os interesses e
anseios dos portugueses.
Nessa lógica, a Passos e Gaspar
tanto importa que haja 1 milhão como 5 milhões de desempregados, desde que seja
essa a vontade dos nossos credores. Nem sequer estou a caricaturar, porque esta
gente é capaz de tudo.
Por isso, e pela situação de medo
que está a regressar à sociedade portuguesa, como há muito não se via, um
salazarismo encapotado e miserável, a greve fez todo o sentido.
A greve foi, mais uma vez, o que
foi. Uma grande manifestação de descontentamento, de revolta, de indignação
pelo rumo que o país está a tomar, e que não tem a ver apenas com a crise e a
necessidade de recuperação das finanças públicas.
O que está a passar-se é outra
coisa, mais execrável e absolutamente ideológica. Era bom que os portugueses
abrissem bem os olhos para o que está e vai passar-se.
Porque se preparam para transformar Portugal
no que ele nunca foi, nem legitimamente deverá vir a ser!