terça-feira, 30 de julho de 2013

Tudo É e Não É, novo romance de Manuel Alegre


“Tudo É e Não É” é o título do novo romance de Manuel Alegre, lançado há escassos meses.
O protagonista, António Valadares, é escritor e vive submerso num sonho obsessivo e recorrente, de onde não há fuga possível. Numa derradeira tentativa de encontrar um sentido naquilo que não o tem, aventura-se a escrever sobre a sua vida onírica. Tem assim início uma viagem a um mundo repleto de situações ilógicas e incontroláveis, de intrigas e contradições; um mundo onde personagens reais e fictícias convivem e se fundem.
O que António Valadares não prevê é que o seu empenho em narrar o inenarrável o aprisionará num caleidoscópio de sonhos e obsessões onde realidade e sonho, sonho e ficção já não se distinguem, e em que o próprio espaço e tempo são subvertidos, desde a discussão com Lenine e Trotsky em plena revolução russa até às manifestações em Lisboa e à Mão Invisível que invade a vida e o sonho.
João Maria André, filósofo e Professor catedrático na Faculdade de Letras de Coimbra, na apresentação do romance na Casa da Escrita, naquela cidade, afirmou estarmos perante um livro que acaba por ser uma “vingança dos sonhos ou o reverso de Descartes”. Isto porque, apesar de se tratar de ficção, é uma obra que a partir do dispositivo dos sonhos e da sua interacção com a realidade e com a escrita, subverte a lógica binária cartesiana.
Assim, “Tudo É e Não É”, logo no título, é, de facto, “uma vingança dos sonhos” e “um retorno da sua lógica copulativa e coincidencial, não apenas no registo dos sonhos, mas também no registo da realidade.”
Diz o protagonista: “Sonho sempre. Tenho a sensação de que quando deixar de sonhar, morrerei”.
E acrescenta, noutra altura: “Um sonho é feito de muitos sonhos. E há sonhos que se cruzam no sonho de que não consigo libertar-me”.
Ou então: “muitos sonhos e um só sonho. Ou sempre o mesmo dentro de outros sonhos”
E continua, citando Shakespeare: “somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos”.
Mais tarde dirá que “também somos o mistério que os sonhos são”.
Nesse sonho, ou nessa ficção, entram personagens vivas do mundo real e outras pertencentes à memória colectiva.
Entra também, de alguma forma, o alter-ego do autor, os seus sonhos, anseios, o seu passado: um homem de esquerda, que andou pela guerra colonial, esteve num lugar simbólico como Nambuangongo, é amante da caça, das letras e da boa mesa, crítico feroz dos mercados, das agências de rating, do “estádio supremo do capitalismo”, dos especuladores e dos “poderes ilegítimos que se sobrepõem, à democracia e à própria soberania dos Estados”.
Este é, sem dúvida, Manuel Alegre, através do protagonista da obra, António Valadares.
Um protagonista que cita músicos, escritores, homens do cinema e poetas como José Régio, Paul Valéry Whitman, Dante, António Ramos Rosa. E outras suas mitologias.
Trata-se de um romance estranho, no âmbito da obra de Manuel Alegre. Um texto mais intimista, algo estranho e desordenado.
Diz o protagonista: “perguntam-me qual é o fio condutor da narrativa. Não há. Nem na vida, quanto mais no sonho”.
E diz ainda: “tenho-me empenhado na tentativa de narrar o inenarrável: o sonho que vem e se esfuma…”.
Enfim, “a libertação de obsessões por meio da escrita”, como escreve em outro passo.
Mas um romance onde a alma poética de Manuel Alegre espreita a cada passo.
Numa escrita muito pessoal, Manuel Alegre regressa ao romance com uma história inquietante e surpreendente. Um “romance veloz, ágil, voraz” – como o classifica a escritora Maria Teresa Horta. Um romance que se lê com inteiro agrado.
Boas leituras!