Já há muito que todos nos demos conta de que, por força dos compromissos derivados da integração no espaço europeu, sectores fundamentais e históricos da economia portuguesa foram praticamente desmantelados, ou definham a olhos vistos. Um deles é claramente a agricultura, a que se podem juntar a pecuária e as pescas.
Os campos foram dramaticamente votados ao abandono. Hoje é já raro ver-se um terreno cultivado, com excepção de pequenas hortas para consumo caseiro. O gado bovino praticamente desapareceu das nossas aldeias. Os montes, de grande importância para a economia doméstica até há alguns anos atrás, são hoje pasto das chamas em cada Verão que passa, porque o mato já não é necessário para a confecção de estrume e por isso ninguém o roça.
A actividade agrícola é, assim, nos nossos dias, um sector económico pouco mais que residual.
Este momentoso assunto, do qual se (re)começa a falar com acuidade, por virtude da grave crise económica que assola o nosso país, foi objecto de uma recente reportagem na SIC, que apresentou números alarmantes. Por exemplo, nos últimos dez anos, foram abandonados 500 000 hectares de área cultivada, havendo actualmente dois milhões de hectares incultos.
Pelo abandono a que votámos (ou fomos obrigados a votar) os campos, importamos mais de um terço dos alimentos que consumimos. Importamos cerca de 7 mil milhões de euros de produtos agrícolas. Importamos 50% da maçã que consumimos, bem como 40% das batatas e cebolas. Assim, é frequente irmos ao supermercado e, na banca das frutas e dos legumes, depararmos com os morangos do Brasil, as saladas de Itália, os cogumelos da Holanda, os espargos do Peru, as beringelas de Espanha, as nêsperas da Guatemala, as amoras do México, as romãs da Turquia e os pimentos do Uganda, para dar apenas alguns exemplos. Frutas e legumes portugueses é que se vêem poucos, sobretudo nas grandes superfícies, pela dificuldade que os produtores nacionais têm de entrar nos lóbis do grande comércio.
Cada vez importamos mais produtos pecuários, como carne de porco ou de vaca, o que acontece relativamente aos cereais. Em 1990, ainda produzíamos 40% das necessidades; hoje apenas se produz para satisfazer 25% dessas mesmas necessidades. O resto são importações, logo, saída de divisas.
A dependência económica do exterior é assim gritante ao nível do consumo alimentar. São muitos milhões que anualmente saem para o estrangeiro, agravando o desequilíbrio das nossas contas públicas.
Alguém afirmava, ainda não há muitos meses, que a factura das importações alimentares em 2009 quase dava para construir o novo aeroporto de Lisboa. A diferença entre o que se exportou e o que se importou rondou naquele ano os 4 000 milhões de euros. É um balúrdio, sem dúvida!...
Apenas produtos nossos como o vinho, o azeite e o leite são excedentários e portanto exportados, o que é demasiado escasso para o que consumimos vindo de outras paragens, um pouco de todo o mundo.
Por outro lado, como foi denunciado na reportagem, Portugal não tem sabido aproveitar os fundos comunitários. Por exemplo, o programa de desenvolvimento rural (PRODER) está com uma mísera taxa de aplicação de 30%. Temos dois anos (até 2013) para aplicar os restantes 70%, ou os fundos reverterão para outros países, como já em acontecido. Aliás, muitos milhões são devolvidos anualmente a Bruxelas por incompetência e incapacidade de governantes e presumíveis beneficiários dessas verbas.
Não tem havido, na verdade, uma política agrícola nacional e ela faz falta e sentido, para mais nestes anos que se avizinham. Impõe-se arregaçar as mangas e regressar à terra, o que significa, desde logo:
- Fixar as pessoas na actividade agrícola e repovoar as desertificadas regiões do interior do país;
- Criar emprego num sector que urge revitalizar;
- Diminuir os níveis desemprego que, daqui a dois anos, rondarão os 700 mil desempregados, segundo números do acordo de entendimento com o triunvirato FMI/CE/BCE;
- Diminuir a dependência face ao exterior em matéria de bens alimentares e contribuir para atenuar o desequilíbrio das contas públicas, que se agrava, obviamente, com as importações.
Contra a corrente da modernidade e a aposta que tem sido feita, às vezes desalmadamente, na indústria e nos serviços, a agricultura tem de readquirir o seu lugar no universo da economia portuguesa. Não por decadentes razões filosóficas ou ambientais, mas pragmaticamente porque se trata de uma exigência nacional, porque a crise a isso obriga. Para criarmos riqueza nacional, que é que mais importa. E, claramente, para abrandar as importações de bens alimentares, que são uma das nossas muitas desgraças!...
(Crónica publicada no Correio do Minho, de 16 de Maio 2011)
Fotos: Manuel Meira Correia
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