1. Afinal, Passos Coelho desdisse o que o disse. O que todo o mundo disse que disse. O que o próprio Povo Livre, jornal oficial do seu partido, escreveu que disse. Que, afinal, não disse a expressão “desvio colossal”.
Claro está que alguém pressionou o referido senhor para que a Europa que nos tem debaixo de olho não credibilizasse uma tão infeliz e antipatriótica declaração!...
Mas já começamos a ficar habituados à inexperiência (ou será incompetência?) e inabilidade política dos jovens governantes que nos couberam em sorte!...
2. No final da outra semana, o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, fez uma professoral conferência de imprensa para anunciar, colossalmente, o que já todos sabiam desde que o governo tomou posse. Que os portugueses que trabalham, os que dependem de outrem, bem como os reformados, vão ser literalmente esbulhados – o termo não pode ser outro, para continuarmos com algum nível linguístico – de cerca de metade do seu subsídio de Natal, o que para muitos trabalhadores era um pé de meia com o qual contavam para pagar o seguro do carro, uma prestação da televisão ou para uma pequena viagem de férias pelo Natal, ninharias para este executivo em que alguns depositam confiança. E, valha a verdade, se os tribunais funcionassem sem considerações políticas, tenho muitas dúvidas de que essa decisão injusta chegasse à prática… Mas todos temos consciência, a começar pelo governo, de que os portugueses são pacíficos, brandos de costumes e naturalmente atreitos mais a obedecer que a raciocinar, ou a manifestar-se!...
O “colossal” ministro atreveu-se a insultar a inteligência dos portugueses quando teve o desplante de afirmar que a sobretaxa do imposto em IRS que levará o equivalente a 50% do subsídio de Natal “é uma medida universal” e que “respeita o compromisso do Governo de impor uma equidade social na austeridade através da justa repartição dos sacrifícios”.
Para lá de se questionar a pertinência de um imposto não previsto no memorando com as instituições internacionais, e que visa claramente alcançar uma almofada política para o governo vir mais tarde afirmar que foi o “salvador da Pátria”, o que apetecia, desde logo, responder ao ministro era que fosse para onde Mafoma mandou as botas… Vá gozar, colossalmente, com quem o nomeou. Se a sua “equidade fiscal” é martirizar os rendimentos do trabalho, presente e passado, está a cavar a sepultura da classe média em Portugal, erro que outros mais perspicazes há muito corrigiram. Agora não atire areia para os olhos dos portugueses. Ao isentar os juros, os dividendos e os rendimentos das empresas, deixou de tornar “universal” a exigência de sacrifícios nesta hora difícil. Demonstrou que o governo do PSD/CDS está, não do lado dos que produzem, dos que constroem o país, mas do capital puro e duro, do capital especulador que vive de explorar o sangue e o suor dos operários e dos que têm rendimentos laborais.
Revolta, indigna, indispõe, por muitas explicações professorais de um ministro que poderá saber muito de finanças, como também Salazar sabia, mas nada revela perceber de justiça, de equidade, de rectidão.
Até o insuspeito ex-líder do PSD, o fafense Luís Marques Mendes, veio publicamente (TVI 24) considerar “injusta” a exclusão dos rendimentos de capital. “Parece-me que o modelo de 1983 era mais justo que o de agora”, afirmou, lembrando que nessa altura, quando o Bloco Central recorreu também à aplicação de um imposto extraordinário, “os rendimentos de capital e as empresas estavam cobertos com impostos de seis e cinco por cento, respectivamente”.
Marques Mendes, muito sensatamente, questionou porque é que as empresas que têm lucros não hão-de pagar também o imposto extraordinário, numa altura em que todos devem dar o seu contributo para sair da crise. E porque é que os juros de depósitos consideráveis, a partir de 100 000 euros, ou de meio milhão de euros, não hão-de ser tributados? Têm medo que escapem para os off-shores? Mas não é isso que os capitalistas já fazem há muito? …
3. Mais surreal foi a explicação do ministro para isentar da taxa extraordinária os rendimentos do capital. “Uma série de dificuldades de ordem técnica” que tornam de “difícil exequibilidade” a tributação daqueles rendimentos. O diário Público ouviu fiscalistas e quadros da administração tributária que desmontam as alegadas “dificuldades” do ministro, considerando que era fácil fazê-lo, assim houvesse vontade política. E essa não há. É o governo que temos, no seu liberalismo conservador, protector do capitalismo, do sistema financeiro e especulativo.
Que ninguém tenha dúvidas: os trabalhadores que paguem a crise!... É o recuperar pela direita de um slogan da extrema-esquerda de há alguns anos atrás, o que não deixa de ser anedótico.
4. Anedótica foi a explicação de Vítor Gaspar para a claríssima e demagógica declaração de Passos Coelho, numa reunião partidária, sobre o alegado “desvio colossal” das finanças públicas. É sempre assim para quem recebe o poder, garantindo sempre não responsabilizar a administração anterior: o país de tanga, a pesada herança, o desvio colossal. O ministro das Finanças enredou-se numa justificação caricata, colossal, como se os portugueses fossem todos mentecaptos. O que se pede ao doutoral ministro, é que não imagine tratar os portugueses como atrasados mentais. Bem basta o que basta!...
5. É engraçado como as pessoas mudam, consoante as situações. Até nas reportagens televisivas dá para perceber as duas caras da falta de vergonha de muitos portugueses. Ainda há poucos meses muitos reclamavam acaloradamente contra os falecidos PEC de Sócrates, porque prejudicavam gravemente a economia individual e colectiva. Não havia direito de pedir mais sacrifícios aos portugueses. Hoje acatam com o maior civismo e comiseração todas as patrióticas “extorsões” do actual governo de direita. Porque “Portugal necessita do apoio de todos”, não é verdade? Parece que ainda há pouco tempo não necessitava!...
Até o conhecido Macário Correia acaba de dar uma machadada mais na já parca credibilidade da classe política caseira. Enquanto o governo foi socialista, manifestou-se encarniçadamente contra a introdução de portagens na Via do Infante, no Algarve. Agora, embora continue a compreender a luta contra as portagens, compreende e aceita os “sacrifícios”, dada a situação das finanças públicas. Porque será que mudou de atitude política? Claro que não tem nada a ver com a mudança de governo…
É enternecedor este “patriotismo” dos troca-tintas!...
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