1. Na terça-feira negra da semana passada, a agência de notação financeira (rating) Moody’s decidiu baixar a dívida portuguesa ao nível de “lixo”. O que significa que a mera opinião desses especuladores fornecida aos capitalistas, vulgarmente apelidados de “mercados”, é que o risco do dinheiro emprestado a Portugal está no máximo, ou que a probabilidade de o nosso país saldar as suas dívidas e os seus compromissos a tempo e horas é mínima.
O coro de protestos, mais ou menos emocionais, em Portugal, não se fez esperar. O primeiro-ministro referiu que o corte do “rating” constituiu um “murro no estômago”, outros falaram em decisão “infeliz”, “injustificada” ou “surpreendente”. Outros ainda, com toda a pertinência, apelidaram aquela criminosa notação, de “arrogância, ignorância e superficialidade”, até porque parece não levar em linha de conta o memorando assinado pelo país com a chamada “troika” e até as bárbaras medidas decretadas por Passos Coelho, que vão exigir enormes sacrifícios aos pobres trabalhadores portugueses, que não provocaram a crise, não levaram à falência de bancos americanos ou europeus, não decidiram a injustificável nacionalização do BPN, não se entretiveram na especulação financeira que empurrou o país para o pântano. Foram outros os culpados, a nível interno e externo. Mas como sempre acontece, são os trabalhadores e a classe média que pagam as crises: os mais ricos, ninguém os quer ou consegue incomodar; os mais pobres não têm por onde pagar. É dos livros.
2. É claro que as agências de “rating” fazem o seu trabalho, sujo, na sua maior parte. Ninguém coloca isso em causa. O que já se questiona, e sem qualquer margem para contemplações, é a credibilidade, a idoneidade, a isenção, a competência das agências de notação financeira que dominam o mercado. Além da nefasta Moody’s, as não menos perniciosas Standard & Poor’s e a Fitch. Curiosamente, todas americanas, embora uma delas também tenha capital francês. E é aí que bate o ponto: não deixa de ser inequívoco que estamos perante um execrável ataque concertado do dólar contra a zona euro. Dos americanos contra a União Europeia.
Porque, a imprensa tem-no provado: os Estados Unidos têm uma situação económica e financeira muito pior que a Europa. A dívida pública atinge quase os 100% do PIB (pouco menos que Portugal…). E Barack Obama continua a pressionar os líderes do Congresso americano, não para diminuir o défice, mas para “aumentar o limite da dívida”.
As ditas agências de “rating”, que davam a notação maior ao banco de investimentos Lehman Brothers (o quarto maior dos Estados Unidos), quando já se encontrava em situação de falência, o que acabou por espoletar a grave crise financeira mundial, em 2008, não se mostram preocupadas com a situação no seu próprio país. Porque o que interessa é destruir as economias europeias, em nome de um grosseiro capitalismo que não tem pátria, não tem rosto, não tem coração.
Porque as agências de notação financeira, ao darem as suas “notas”, não estão nem um pouco preocupadas com os imensos e às vezes irreparáveis estragos que vão produzir nas economias dos países. Cada “avaliação negativa” de uma economia, como a portuguesa, determina de imediato um aumento das taxas de juros da dívida, o que resulta no acréscimo dos custos do dinheiro, na falência de empresas e no despedimento de milhares de trabalhadores. No empobrecimento generalizado de um país. O que para as ditas agências não têm a mínima importância, como se comprova…
O que lhes interessa é ganhar dinheiro e fazer ganhar dinheiro aos seus clientes, sobretudo dos Estados Unidos. Não é por acaso que, enquanto as economias mundiais e as populações estão cada vez mais despossuídas e descapitalizadas, as ditas agências apresentam lucros fabulosos. Em 2010, a famigerada Moody’s aumentou em 95% a cotação em bolsa e registou um crescimento de 26%, correspondente a 354 milhões de euros de lucro. À custa da miséria alheia, que ajudou a criar…
3. Se há males que vêm por bem, parece que vai ser desta. A Europa acordou para a necessidade de combater a cartelização das agências americanas.
O presidente da República bem alertou que “as questões em torno da avaliação do risco e da notação financeira dos estados-membros devem merecer uma resposta europeia”. Nos últimos dias, vários dirigentes políticos nacionais e europeus reforçaram a tese de que urge acabar com a pouca vergonha de ver a Europa subjugada ao “oligopólio” das agências norte-americanas. Por isso, admite, finalmente, pensar na criação de agências europeias independentes, que sustenham a destruição da economia europeia pelas meras “opiniões” ou “avaliações” de quem tem vantagens financeiras nas mesmas. Como um árbitro que tem interesses numa das equipas em jogo!...
Também importa que as instituições comunitárias deixem de dar importância ao que importância não merece ter: as alegadas “notações financeiras”, que já se demonstrou serem falaciosas, fraudulentas, interesseiras e assassinas da economia europeia!...
As agências de notação financeira são hoje um dos expoentes máximos do capitalismo financeiro selvagem, que vive vampirescamente de sugar o sangue das economias mais frágeis, provocando sofrimento sem conta nos governos, nas empresas e nas pessoas. Nada disso lhes importa.
São o “lixo” moral do século XXI!...
(Texto publicado na rubrica "Escrita em Dia" do semanário Povo de Fafe, de 15/07/2011)
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