1. Era uma vez um país de carnaval permanente. E que, por isso, deixou de festejar o dia propriamente dito, mas já lá vamos.
Quem melhor encarnava a situação de excesso, paródia e leviandade, porque não era possível levá-lo a sério, apesar da gravidade da situação, era o então primeiro-ministro, um personagem moldado na jota partidária e de quem não se conhecia currículo que se visse, a não ser grossa ambição e nenhuma preparação.
Vá-se lá saber por quê, quando chegou ao poder, meteu na gaveta todas as promessas que tinha feito em campanha para arregimentar votos e acabou a fazer o que não tinha prometido e de que acusava os adversários. Aumentou impostos brutalmente, cortou salários, empobreceu ainda mais os pobres, agravou o desemprego, deixou incólumes os ricos (porque será?), vendeu Portugal aos chineses e submeteu-se fielmente à balofa alemã, pensando com isso granjear o estatuto de “bom aluno” de uma Europa que se está borrifando para os PIGS (Portugal, Itália, Grécia, Espanha). Não teve o mínimo rebate de consciência em amesquinhar e desarticular uma das referências do Portugal Democrático e mesmo da Europa do pós-guerra: o Estado Social. Tudo em nome de um “troiquismo” exacerbado, do género mais papista que o papa, que ninguém reconhece, a começar por essas abantesmas fantasmáticas acobertadas pela designação de “mercados” e que não passam de agentes da especulação financeira internacional; em nome da utopia dos”amanhãs que cantam”!... Em nome, enfim, da ausência de “alternativas”, quando todos sabemos que alternativas há sempre e o acto de governar é um permanente exercício de selecção de soluções…
Pois o tal primeiro-ministro, num belo dia, foi ao parlamento vociferar que “cumpriremos o que manda a tróica, custe o que custar!”. A frase foi considerada um mimo de oratória e um emblema da determinação de espezinhar o povo português, se necessário, para conseguir que os agiotas europeus e americanos ganhem muito dinheiro com a desgraça dos países periféricos. Uma expressão absolutamente paradigmática de uma política que não olha a meios para atingir os fins. Uma política sem escrúpulos, sem moral, sem ética. “Custe o que custar”, nem que em prejuízo do sofrimento do povo, do aumento do desemprego, do empobrecimento generalizado. Que importância têm mais umas centenas de miseráveis, uns milhares de desempregados, uma classe média a resvalar para a pobreza envergonhada? São ninharias no grande desígnio nacional do pomposamente reiterado “ajustamento económico”. “Custe o que custar”, haveremos de chegar. Nem que já não haja povo, nem economia, nem empresas, nem comércio, nem serviços, nem juventude, a quem o Estado paga para se formar e depois o governo manda emigrar, num esbanjamento de recursos humanos e económicos que deveria dar direito a sentar o traseiro no mocho, se houvesse justiça no tal país!...
Não satisfeito em subjugar o povo à sabuja estratégia franco-alemã, o primeiro-ministro insulta os cidadãos, indiscriminadamente, acoimando-os de “piegas”.
Talvez quisesse dizer “maricas”, “fracos”, “efeminados”, “fraldiqueiros”, sempre a queixar-se da vida e das dores de barriga, sem estofo másculo para suportar uma ideologia de austeridade sem fim, como só os patriotas conseguem e merecem.
Já há quem considere que alguém tem de informar o primeiro-ministro que o povo não suporta enxovalhos gratuitamente. E que deve moderar a linguagem a roçar o primarismo, sob pena de vir a colher os “frutos” das sementes que vem lançando com a maior ligeireza!...
2. No meio deste carnaval permanente, quase passa despercebida a decisão do primeiro-ministro de quebrar uma tradição cultural (e turística, e económica) do povo português.
«O Carnaval não é um feriado» e «não estamos num ano qualquer». Foi a «emergência nacional» que levou «à eliminação de quatro feriados», pelo que, no entender do primeiro-ministro, não fazia sentido manter uma tolerância de ponto. «Não estamos em tempo de falar de tradições. Não é tempo de ficar agarrado às velhas tradições; o que nós queremos é vencer as dificuldades».
Que importam as “tradições”, num momento difícil e crítico, em que o verbo a conjugar é o “custe o que custar”.
Nem importa equacionar a “forma deplorável”, como foi anunciado o fim da tolerância de Carnaval, a escassos dias da sua realização, num manifesto desprezo pelos grandiosos investimentos que muitos municípios fazem nos festejos um pouco pelo país e também pelos próprios trabalhadores que, com antecedência, já tinham programado o gozo do dia.
Mas “direitos adquiridos” e “tradições” não existem para o primeiro-ministro, sobretudo quando se trata dos trabalhadores da função pública. Os “direitos adquiridos” das parcerias público-privadas não podem mexer-se. Os contratos leoninos são para manter intocáveis, custando milhões. Um simples dia de Carnaval, que nem aquece nem arrefece na produtividade e na competitividade da economia portuguesa, é içado como bandeira da ideologia da austeridade, do paradigma do trabalho a caminho da servidão, como resulta da famosa “concertação social”.
Um lamentável exercício de poder!
A resposta está a ser dada por dezenas de autarquias, de norte a sul do país e pelos governos das regiões autónomas, que se estão positivamente marimbando para as orientações do primeiro-ministro e para a sua sede insaciável e carnavalesca de levar os trabalhadores a laborar cada vez mais por menos dinheiro!...
Mas, como bem referiu o correligionário do primeiro-ministro, António Capucho, “Nesta fase de depressão, não tinha mal deixar as pessoas festejar. (...) O povo português não vai compreender porque é que não há tolerância de ponto».
E não. Porque, afinal de contas não vai adiantar rigorosamente nada, a não ser a expressão de uma teimosia e de uma prepotência lamentáveis!
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