Morreu esta semana, no Porto,
o consagrado escritor Papiniano Carlos, um dos últimos representantes do
neo-realismo português. Muito escreveu e publicou mas o que o tornou mais
conhecido foi o livro ‘A Menina Gotinha de Água’, que todos lemos na infância.
O poeta, autor de
"a Terra livre e insubmissa", que somava mais de 60 anos de
militância comunista, contava 94 anos.
Papiniano Manuel Carlos
Vasconcelos Rodrigues nasceu em Lourenço Marques, actual Maputo, Moçambique, a
9 de Novembro de 1918, fixando-se no Porto, aos 10 anos, onde estudou.
Publicou o primeiro
livro de poesia em 1942, ‘Esboço’, quatro anos antes de ‘Terra com sede’, a sua
estreia na ficção, e de ‘Estrada Nova’, com capa de Júlio Pomar, obra que seria
apreendida pela PIDE, a polícia política da ditadura.
A adesão do escritor ao
PCP remonta ao final da década de 1940, no pós-guerra, actuando na
clandestinidade com o nome Garcia, numa alusão ao poeta andaluz Federico Garcia
Lorca.
Na mesma altura, depois
de ter frequentado a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, dedicou-se
ao ensino, que teve de abandonar, por se ter recusado a subscrever a
"declaração anticomunista", imposta pelo regime aos funcionários.
Deu explicações e foi
delegado de propaganda médica. O escritor português foi preso três vezes pela
PIDE.
Com Egipto Gonçalves,
Luís Veiga Leitão, António Rebordão Navarro e Daniel Filipe, dirigiu
"Notícias de Bloqueio", série de "fascículos de poesia",
publicados no Porto entre 1957 e 1961, designação da revista, retirada do
título de um poema de Egipto Gonçalves.
Colaborou nas revistas
Seara Nova e Vértice e integrou os corpos dirigentes do Círculo de Cultura
Teatral do Teatro Experimental do Porto.
‘A Menina Gotinha de
Água’, para a infância, que viria a marcar o ressurgimento do género, a par das
obras de Matilde Rosa Araújo, foi editada na década de 1960 e constitui um dos
seus maiores êxitos editoriais.
Entre outros livros,
Papiniano Carlos escreveu ‘Mãe Terra’ (1948), ‘As Florestas e os Ventos’, ‘A
Rosa Nocturna’ (1961), ‘A Ave sobre a Cidade’ (1973), ‘O Rio na Treva’ (1975).
Há na sua obra um poema
que o associa a Fafe e concretamente ao mártir do fascismo Joaquim Lemos de
Oliveira, o “Repas”, cujo nome está perenizado na Praça Mártires do Fascismo,
no centro da cidade.
Em 1957, por ocasião da
morte de “Repas”, nos calabouços da PIDE, no Porto, Papiniano Carlos publicou o
poema seguinte:
Glória
a Joaquim Lemos de Oliveira
Em
Fafe
O
cemitério
ficava
entre campos lavrados
a
meio da colina.
Aí
iria descansar o herói anónimo
de
sua tarefa, sofrimento e morte.
Sentindo
bem junto à violada face
a
carícia das madrugadas.
O
sorriso das espigas,
a
frescura do orvalho de manso
gotejando
entre as raízes
de
seu coração.
Entre
alas de povo
o
caixão atravessava lentamente
o
pequeno cemitério.
Entre
dezenas de polícias armados
de
metralhadoras
Joaquim
Lemos de Oliveira
ia
agora descansar no seu coval.
Foi
quando, no silêncio da colina,
a
voz dum menino atravessou os ares,
atravessou
o fogo, o chumbo, a violência,
o
terror, a morte.
O
menino gritava:
-
Eu vou crescer, vencer contigo, meu pai!
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