Fonte: Expresso, 16/04/2011, p. 1 |
1. Falta ética na política, sem qualquer dúvida. Que é como quem diz, lisura de procedimentos, coerência de atitudes e de posições. Aqueles elementos que dão credibilidade a quem se apresenta à nossa frente para liderar os destinos do país, a qualquer nível e em quem podemos confiar. Tomemos o caso escabroso de Fernando Nobre. Tem toda uma vida admirável de voluntariado em países necessitados, foi fundador da AMI; era uma pessoa credível, aparentemente sensata, admirada por milhares de concidadãos.
Porém, o seu percurso político é tudo menos linear, apesar da sua alegada “independência”. Em 1992, foi monárquico; dez anos depois, apoiou Durão Barroso; em 2006, esteve com Mário Soares e em 2009 com António Capucho. No mesmo ano, era o defensor das ideias do Bloco de Esquerda, sendo mandatário de Miguel Portas ao Parlamento Europeu. Afirmava, convictamente, defender as ideias e os valores daquela força política, demonstrando com os seus livros e artigos de opinião a defesa de tais princípios. Muitos acreditaram que assim era.
Já este ano, concorreu às eleições presidenciais, com ar de quem é exterior à política e aos jogos políticos, numa presumível “isenção” que enganou demasiados eleitores. Fez toda a sua campanha divinizando o conceito da “cidadania”, o que quer que isso seja, tentando repetir o que Manuel Alegre fizera cinco anos antes, com maior êxito. À margem e contra os partidos, como se tal fosse uma virtude. 600 mil eleitores foram na cantiga do simpático e bonacheirão médico, com discurso entaramelado e sem o mínimo jeito para campanhas, comícios e banhos de multidão.
Ainda há poucos meses proclamava, com alguma arrogância e sem margem para dúvidas, que “jamais seria candidato ao lugar de deputado”, como se se recusasse a ser comido pela lepra.
Agora, num miserável golpe de rins, de quem não consegue enxergar-se, traindo os seus eleitores, Fernando Nobre aceitou ser nomeado como cabeça de lista do PSD por Lisboa às eleições de 5 de Junho, mas avisou, no Expresso da fim de semana, que apenas é candidato a um mandato que não consta do próximo sufrágio eleitoral: o de Presidente da Assembleia da República. E perante o espanto, a admiração e a incredulidade dos notáveis daquele partido e da sociedade portuguesa que nutria alguma admiração pelo conceituado médico.
O desiderato de Passos Coelho pareceria inteligente, se não se revelasse estupidamente ingénuo: os 600 mil votos de Nobre dariam para ganhar a Sócrates. Mas há um pequeno senão: alguém acredita que os votos de Nobre são votos para o PSD? Os votos da ”invenção de Soares” contra Alegre foram votos dos socialistas descontentes com a governação socrática, de alguma esquerda e de independentes que não se reviam em nenhuma das outras candidaturas. Se fossem votos do PSD, é óbvio, teriam ido engrossar os resultados de Cavaco Silva. A montanha vai assim parir um rato, o que denota a inabilidade política de Passos Coelho, que não há meio de descolar do PS, quando tinha todas as condições para liderar folgadamente as sondagens e estudos de opinião, o que não acontece. Antes pelo contrário… o PSD começa a perder gás e a campanha ainda nem começou.
2. Falta ética na política, mas também falta responsabilidade. Sócrates esticou demasiado a corda, no PEC 4 (cujos contornos são dignos de uma ficção científica…), com grande dose de irresponsabilidade, provocando deliberadamente a sua reprovação e consequente demissão do primeiro-ministro, quando avaliou que não havia outra saída. Tudo foi planeado ao pormenor. Mais uma invenção de um político altamente profissional, que se arrisca a voltar a S. Bento, pela porta grande. Nunca se sabe. Sócrates tem fôlego de sete tigres!...
Passos Coelho demonstrou também elevada falta de responsabilidade quando, num momento particularmente difícil da vida portuguesa, do ponto de vista económico e financeiro, contribuiu para a vinda do FMI e do Banco Central Europeu, ajudando activamente a precipitar a crise e a agravar a vida dos cidadãos.
PS e PSD são igualmente responsáveis por irmos atingir, nos próximos dois/três anos, a inqualificável fasquia dos 700 mil desempregados, a recessão económica abrupta, a perda do poder de compra generalizada, o aumento da pobreza, em troca de 80 mil milhões de euros, no mínimo.
3. Finalmente, falta um “compromisso nacional”, neste momento particularmente grave da história contemporânea. 47 personalidades portuguesas dos mais variados quadrantes políticos, entre os quais os ex-presidentes da República, subscreveram um texto em que advogam que, antes das eleições, é necessário um consenso para garantir a “credibilidade externa” e o necessário “financiamento da economia” e, após o sufrágio eleitoral de Junho, um entendimento no sentido de garantir um governo estribado por uma “maioria inequívoca”.
O “compromisso nacional” terá de envolver todos, transversalmente, nesta crise demasiado séria e que se antevê prolongada. A demagogia tem de ficar à porta de qualquer tentação populista. O eleitoralismo tem de ser rechaçado, como fazem os bons guarda-redes.
4. Mas, vendo bem, enquanto os nossos líderes políticos se entretêm num pugilismo verbal miserável que provoca a troça dos países europeus, os portugueses lotaram os destinos turísticos nesta Páscoa, do Algarve ao Brasil e a Cabo Verde, entre muitos outros. Caso para questionar: afinal, a crise existe ou estamos todos a ficar loucos? Ou Portugal, é afinal um país de ricos?
(Publicado no Correio do Minho de 18 de Abril)
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