quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Fiz greve, fui patriota!

 
Por uma carrada de boas razões, imensos milhares de trabalhadores de todo o país e de múltiplos sectores de actividade, estiveram hoje em greve. Não foi certamente uma greve geral, como as confederações sindicais almejavam, mas perturbou o funcionamento de sectores nevrálgicos da sociedade portuguesa, como os transportes, os hospitais, as escolas, as autarquias.
A guerra dos números voltou a instalar-se, como é costume. Para os sindicatos, as percentagens são elevadas; para o governo, como sempre (o ano passado, com Sócrates, foi exactamente o mesmo), numa manobra de desvalorização, os valores foram sofríveis.
Eu também fiz greve, e com toda a consciência e com as minhas razões!
Certos analistas e empresários, em declarações espúrias ao longo do dia de hoje, quase me fizeram sentir culpado por me permitir exercer um direito constitucional (artigo 57º, nºs 1 e 2) do tempo em que a Constituição era respeitada e se instituía como Texto Fundamental da Nação, o que hoje, com o governo de direita e da troika, não acontece, como todos sabemos.
Que, enfim, fazer greve num tempo destes configura quase um crime. O país está de rastos (já estava de “tanga” no tempo de Durão Barroso, há quase uma década, ele que depois se escapuliu para o exílio dourado da Comissão Europeia…) e a greve apenas contribui para afundar a economia, dizem eles, com a dose de cinismo e de ignorância que por aí muito campeia.
Descontando o óbvio exagero destas opiniões, sempre gostaria de afirmar, alto e bom som, urbi et orbi, que não me pesa minimamente na consciência a greve que fiz.
Por estas razões:
1 – Não fui eu quem provocou os grandes “buracos” ou “crateras” que afundaram o país.
2 – Não fui eu quem mandou construir a gigantesca rede de auto-estradas que enxameiam o país e é uma das maiores da Europa.
3 – Não fui eu quem hipotecou o presente e o futuro ao negociar as famigeradas PPP para as auto-estradas, hospitais e outros empreendimentos faraónicos, em que o risco foi sempre colocado do lado do Estado e o gordo lucro do lado dos privados, que apreciam de sobremaneira dizer mal do Estado mas passam a vida a mamar das suas tetas.
4 – Não fui eu quem lamentavelmente nacionalizou o BPN, lesando o interesse público em milhares de milhões de euros, que todos os contribuintes vão pagar com língua de palmo.
5 – Não fui eu quem cavou os “buracos” da Madeira e continua a alimentar o regabofe dos gastos paranóicos de milhões de euros em foguetórios, iluminações e outras inutilidades que agridem e escandalizam os continentais que, mais uma vez, vão desembolsar para o peditório que já enoja.
6 – Não fui eu quem ganhou fortunas com a especulação financeira e agora tem o desplante de reclamar e recorrer aos fundos de recapitalização bancária com o dinheiro que todos nós vamos suportar.
7 – Não fui eu quem decretou os ordenados escandalosos e as mordomias vergonhosas das administrações de empresas públicas falidas.
8 – Não fui eu quem criou as condições para os lucros especulativos e canibalescos das grandes empresas deste país (EDP, GALP, etc.) e do sistema bancário.
Ademais, nunca vivi acima das minhas possibilidades, como estes caramelos passam a vida a acusar-me; sempre paguei os meus impostos, ao contrário de milhares de vigaristas que por aí andam a pavonear-se; não devo nada a ninguém, o que, bem vistas as coisas, nestes tempos inomináveis, nem parece ser uma virtude.
Por isso, não me venham com a treta falaciosa de que não devia fazer greve, porque o país está como está. Se o país está na miséria, alguém o colocou lá, e que pague por isso.
Fiz greve, sim senhor, sem manipulações sindicais (não estou nem nunca estive sindicalizado, embora reconheça e aplauda o seu fundamental papel de apoio aos trabalhadores), para manifestar o meu crescente descontentamento, a minha cada vez maior indignação, o meu irreprimível protesto para com os políticos que afundam e que estão a coarctar alguns dos meus direitos, roubando descaradamente parte do ordenado que vim construindo pelo meu trabalho de mais de três décadas e pela minha formação académica.
É preciso respeitar valores e ter alguma decência, meus amigos!...
Espoliado financeiramente, agredido em direitos fundamentais, não haveria de aderir a esta greve, embora com a consciência clara de que, desafortunadamente, não leva a lado nenhum?!...
Leva, pelo menos, ao cais da revolta, da repulsa, da indignação face a uma política que assume o empobrecimento dos seus cidadãos, a austeridade sempre para os mesmos, a subserviência canina face à intervenção estrangeira e às posições isoladas da dona de casa alemã, que a Europa já não suporta e que, felizmente, não estará no poder por muito mais tempo!...
Por brincadeira, poderei afirmar que até fui patriota no dia de hoje: contribuí, a meu modo, para a diminuição da despesa pública!...

PS – Para alguns analistas, economistas, empresários e governantes que estavam tão preocupados com as consequências financeiras da greve de hoje, em que nem metade do país parou, como se previa, gostaria de chamar a atenção para os “irreparáveis prejuízos” que advirão dos dois feriados nas próximas quintas-feiras, que até dão jeito para excelentes “pontes”: 1 e 8 de Dezembro! Lá vai a produtividade!...
Mais valia proibi-los desde já, em nome da troika, da Merkl e da famosa dupla humorística Passos/Gaspar!

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