1. Apesar da intensa e insidiosa chantagem exercida
pelo primeiro-ministro sobre o colectivo do Tribunal Constitucional (TC), nas
últimas semanas, os juízes não se deixaram intimidar sobre as suas hipotéticas
“responsabilidades pelo impacto financeiro da decisão” e, na sexta-feira,
anunciaram a declaração de inconstitucionalidade de quatro normas do Orçamento
de Estado para 2013, o que acabou por não constituir grande surpresa para os observadores.
Representam 1,3 mil milhões, ou seja, 0,8% do défice? Há quem, sabendo, fale
apenas em 850 milhões, o que não é exactamente o mesmo!...
Já há meses se adivinhava que
o OE violava o princípio constitucional de igualdade proporcional e da justa repartição entre trabalhadores do sector público e do
sector privado. Surpresa foi a não declaração de inconstitucionalidade
da contribuição extraordinária de solidariedade sobre os reformados.
O Constitucional deixa bem claro que a recessão e o
aumento de desemprego não podem servir como justificação para "a imposição
de sacrifícios mais intensos aos trabalhadores que exercem funções
públicas", punindo-os injustamente.
O mesmo raciocínio se aplica em relação ao confisco do
subsídio de férias de reformados e aposentados, bem como dos valores pagos por
contratos de actividades de docência ou de investigação. O Tribunal
Constitucional declarou também inconstitucional o artigo do Orçamento que impõe
uma contribuição de 5% sobre o subsídio de doença e uma contribuição de 6%
sobre o subsídio de desemprego.
A reacção dos “prevaricadores” foi de alegada
“perplexidade”. A deputada e dirigente do PSD Teresa Leal Coelho, que se tem
notabilizado pelo ridículo do que diz, manifestou a preocupação do partido que
governa este país e acusa mesmo o TC de “um certo alheamento do contexto
económico e financeiro da crise das finanças públicas", o que não deixa de
ser caricato, porque há um ano foi exactamente o que os juízes fizeram e não se
ouviu o PSD criticar o que quer que seja.
A inacreditável senhora atreveu-se ainda a alegar que o
Governo e a maioria parlamentar "cumpriram criteriosamente" as
imposições do acórdão do ano passado, quando todos estávamos à espera que
cumprissem, como é sua obrigação institucional, tão só o articulado da Lei
Fundamental que está em vigor!
2. O que está em causa, desde logo,
com esta decisão, é a derrota política do chefe do governo, Pedro Passos Coelho,
que, pelo segundo ano consecutivo, reincide na ilegalidade, colocando-se em
frontal desrespeito pela Constituição da República Portuguesa que, como bem
sublinhou o Chefe do Estado, por estes dias, apesar da situação de assistência
financeira em que o país se encontra, não está suspensa.
E porque não está é que, com esta decisão, que
naturalmente complica as contas do executivo, por culpa própria, se assiste a
uma vitória clara do Estado de Direito e do respeito pelas instituições e pela
separação de poderes.
Chega de pressionar ilegitimamente outros órgãos de
soberania, como o fez, com absoluta virulência, o chefe do Executivo, que
deveria estar mais preocupado em cumprir as leis vigentes neste país e em
governar devidamente, se é que tem estofo e competência técnica e politica para
o fazer, do que se duvida cada vez mais. Na derrota colossal do governo, que
não aprendeu a lição do ano anterior, há também um lugar destacado para o
símbolo da incompetência e do desaire financeiro destes dois anos. Tem o nome
de Vítor Gaspar. Ele fica irremediavelmente fragilizado com esta decisão do
Tribunal Constitucional, porque é o responsável pela elaboração do Orçamento
que, em dois anos seguidos, enferma da violação de normas constitucionais. A
escassa credibilidade do ministro das Finanças, já pelas ruas da amargura,
pelos sucessivos falhanços das suas previsões, acaba atolada na lama pelo
desafio malogrado aos juízes do Palácio Ratton.
Mas também o Presidente da República sai chamuscado
desta situação, porquanto poderia ter enviado, preventivamente, para o Tribunal
Constitucional uma lei que indiciava graves vícios de inconstitucionalidade,
mas que acabou por promulgar, alegando o “interesse nacional”. Veio-se agora a
verificar que, tal como tinha acontecido em 2012, Cavaco Silva não cumpriu as
suas funções constitucionais e acabou por promulgar, reincidentemente, uma lei
inconstitucional.
Tal como Passos Coelho, Vítor Gaspar e todo o governo,
o presidente da República é claramente um derrotado pela decisão do TC.
3. Aqui chegados, mais duas notas. De
lamentar a exorbitante dramatização do discurso do governo, na sequência da
decisão do Tribunal Constitucional, que já era esperada e que não atinge o
montante inicialmente especulado. O que se verifica é que o governo quer
mascarar os seus falhanços contumazes, do ponto de vista financeiro e
orçamental, com esta decisão do Tribunal. Como não consegue acertar nas suas
previsões, sucessivamente falhadas e como a execução orçamental do primeiro
trimestre parece ser um desastre, nada melhor que uma “cruzada” política contra
um órgão de soberania que se limita a exercer as suas funções, para disfarçar e
ocultar os insucessos consecutivos do incompetente ministro Vítor Gaspar.
Por outro lado, evidenciar a posição do Presidente da
República no sentido de reiterar que o governo tem todas as condições para
continuar a governar. Não é o chumbo do TC que vai alterar o que quer que seja.
Os falhanços financeiros são sucessivos, as contas estão permanentemente
erradas, os “buracos” orçamentais seguem-se uns aos outros. E ainda falta
cortar 4 mil milhões de euros, em nome de uma fantasmagoria chamada “refundação
ou reforma do Estado”. Que renegoceiem com a tróica, que deixem de ser capachos da Europa!
Se estes cavalheiros não passam de incapazes, como têm
demonstrado, que vão pregar a outra freguesia. Pior que eles será difícil
encontrar!
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