1.
Este governo não pára de massacrar os portugueses. Já é sadismo. Apaixonado e
reiterado culto da austeridade. Neste caso, os exclusivos suspeitos são os do
costume: os funcionários públicos e os aposentados. Na obtusa óptica
governamental, eles são os culpados pela situação a que o país chegou. Foram
eles que desencadearam a crise, há cinco anos, por pura especulação financeira.
Foram eles que firmaram os ruinosos negócios das PPP, como todos sabemos. São
eles que ganham 1 milhão de euros por ano, como o insuportável consultor do
governo e explorador da EDP, António Mexia. Logo, é justo que “paguem a crise”.
Passos Coelho, que para anjo só lhe
faltam asas, limitou-se, esta sexta-feira, com voz grossa, decidida e executiva,
a informar os portugueses que tem de saquear 4,8 mil milhões de euros para dar
aos seus amigos da tróica, de que ele não passa de subserviente feitor em
Lisboa. Acenou os habituais fantasmas, fez chantagem inqualificável para
amedrontar os portugueses, que ou aceitam a miséria ou vem aí a bancarrota.
Simplesmente, indigente!
São 30 mil funcionários públicos que
vão para a rua, na gaspariana e
patética perspectiva de que “é possível fazer mais com menos”; é o aumento do
horário de trabalho no Estado para as 40 horas, para que os serviços possam ter
tempo de abrir as portas ao comércio que já não existe; é o aumento dos
descontos para a ADSE em mais 0,75%, para solidificar a saúde dos prestadores
públicos; é o aumento da idade de reforma para os 66 anos, como forma de levar
a terceira idade aos serviços públicos, servindo mais eficazmente os utentes,
pela experiência e reumatismo acumulados e, bem assim, evitar que aqueles sejam
infestados por sangue jovem e inconformado; enfim, é a revisão anunciada da
tabela remuneratória da função pública, que significa um abaixamento do
vencimento dos funcionários públicos (a somar aos cortes que já duram há três
anos, ao congelamento das progressões e ao aumento do horário de trabalho) como
factor de elevado cariz motivacional, inspirada no consagrado “embaixador” do
governo para a imbecilidade, de nome Miguel Gonçalves. Para os aposentados vem
mais um escondido imposto, embrulhado com a lengalenga da “sustentabilidade”.
Mas, como se referiu, os funcionários
públicos e os aposentados devem pagar com língua de palmo os desmandos deste
país nestes últimos anos. Por uma outra razão: também contribuíram para colocar
no governo quem lá esteve e quem lá está. Então, que paguem o devido
estipêndio!
Chamam a esta pilhagem a sectores
específicos da sociedade portuguesa “reforma do Estado”. Já a baptizaram como
“refundação”, mas como ninguém acreditou, nem acredita, que estejamos a falar
do que não estamos a falar, a coisa foi abandonada à sua sorte. A coisa, não o
saque.
Espera-se que o Tribunal
Constitucional, o último baluarte da defesa da legalidade neste país, já que
ninguém espera nada de uma múmia que habita, estoicamente, o Palácio de Belém,
continue a salvaguardar a Constituição e a justiça social, face a um governo
fora de lei, anticonstitucional e que nutre um criminoso ódio visceral a rudo o
que é público, seja em que área for, porque interessa desmantelar o sector
estatal, para o dar de mão beijada aos privados.
Os cortes brutais na saúde e na
educação têm essa matriz ideológica absolutamente explícita!
2.
É claro que o inefável Passos Coelho, na sua estratégia buldózer sobre tudo o que mexe e que possa render uns patacos, não conseguiu,
em meia hora, uns segundos para amenizar o desconforto dos desempregados e o
aumento brutal que se espera do desemprego. Nem teve uma mínima palavra de
gratidão para os portugueses, trabalhadores e aposentados, vítimas nos dois
últimos anos de uma desumana asfixia financeira, de um ataque bárbaro aos seus bolsos,
pelos salteadores legalizados por eleições.
Nem uma palavra ou uma medida que
afectem ou ponham em causa as verdadeiras sanguessugas do Estado. Nada sobre a
renegociação das PPP, as rendas excessivas da energia, que continuam intocadas,
os benefícios fiscais de grandes empresas e da banca, que se mantêm inalterados.
Nada sobre a urgente diminuição do número de deputados e dos “boys” (que agora
se chamam “especialistas” e auferem 4-5 mil euros por mês) nos gabinetes
ministeriais. Uma vergonha nacional!
Este governo continua a ser
excessivamente forte com os fracos e submissamente fraco com os fortes, sejam
as grandes empresas, o sector financeiro ou da construção civil, sejam os
engravatados do FMI, BCE e CE.
Para os trabalhadores, acabaram-se os “direitos
adquiridos”, mesmo que a meio do contrato. Já não têm direito à totalidade do
seu salário, nem à perspectiva das férias, nem à reforma na idade que estava
estipulada. Para os trabalhadores, os contratos podem alterar-se com uma
simples decisão do Conselho de Ministros. Para os grandes interesses económicos
e financeiros, que envolvem milhões ou biliões, os contratos estão blindados a
qualquer alteração!...
Estamos conversados. Miseravelmente conversados!
3.
É claro, para qualquer merceeiro, que as
medidas anunciadas terão como efeito aumentar a quebra de consumo e a recessão,
com o consequente aumento das falências e do desemprego. Se as famílias não
tiverem rendimento adequado, são afectados não só o comércio e serviços, mas
também a indústria e todas as actividades económicas.
Por isso, com tantos rendimentos retirados às
famílias, é anedótico que o governo prometa para 2014 um aumento de 0,6% do
consumo privado. Mas esta previsão vale o que valem todas as projecções do
ministro Gaspar, que não acerta com um mero dardo num corpulento elefante. O
que significa que a recessão e a austeridade vão continuar, sem abrandar em
2015,curiosamente o ano em que, se não for antes, nos livraremos, finalmente,
de quem estar a destruir ideológica e impenitentemente este país de nove
séculos
Até lá, reina uma absoluta
demência, vinda da nau dos loucos, de quem já estamos fartos até aos cabelos.
Termino com uma citação da insuspeita
Manuela Ferreira Leite, ex-líder do PSD: "Não estou nada convencida de que
seja exequível aquilo que estão a dizer que vão fazer. Podem anunciar, podem
amedrontar, podem criar ainda mais espírito de recessão, podem afundar psicologicamente
as pessoas, mas resultados não vão ter nenhuns”. Eu não diria melhor!
(Publicado no Correio do Minho, de 6 de Maio)
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