Carlos Vale Ferraz é um nome já
incontornável da literatura dos nossos dias. É o pseudónimo do coronel Carlos
de Matos Gomes, antigo oficial do Exército com três comissões em África. Data
de 1982 o seu primeiro romance, Nó Cego,
porventura a obra-prima da literatura da guerra colonial.
A Mulher do Legionário é o seu nono romance, publicado há
escassos meses. É uma grande surpresa este romance histórico que abarca a vida
dos portugueses desde a Conferência de Berlim até à transição para o presente
século.
Fernanda, filha de Eduardo Lobo, um
advogado oposicionista suspeito de ter à sua guarda documentos secretos que
incriminariam membros importantes do regime de Salazar, envolve-se com Augusto
Torres, um jovem e ambicioso membro da Legião Portuguesa, que recebeu a missão
de descobrir tais documentos. Eduardo aparentemente suicida-se, o legionário
casa com Fernanda (daí o título da obra) e os comprometedores papéis não
aparecem.
Assim começa um excelente romance
que tem todos os ingredientes da grande novelística, paixão e desamor, homicídio
e vingança, numa história desconhecida do Portugal Contemporâneo, do regicídio
à I República, da Ditadura Militar ao pós-25 de Abril.
A curiosidade
desta obra é que Eduardo Lobo era de Fafe, estudara em Braga e teve de voltar
ao Minho depois de sair da prisão, após o 28 de Maio de 1926.
Escreve o
romancista (que só em Abril tivemos o gosto de ter em Fafe):
“…depois da saída da prisão do Aljube, Eduardo
Lobo cumpriu a obrigação de ir a Fafe fazer contas com o feitor, abrir a casa
dos pais e dos avós, mostrar-se às gentes da terra, falar aos parentes
afastados, mesmo aos que o evitavam como pestífero, responsabilizando-o pela
desordem anterior, pelas fomes, pelos levantamentos da tropa, pelas iras dos
padres, até pelos maus anos agrícolas. A república de Lisboa atacara Deus no
seu reino e Deus vingara-se. Não se podia mandar calar os sinos das igrejas,
nem proibir procissões, nem divorciar os casais, nem ir casar à câmara
municipal, nem ser enterrado sem padre e esperar bons resultados. «Não se pode
brincar com Deus, primo!» A situação está a compor-se, diziam-lhe com secura de
uma acusação.
Há muito que
Eduardo Lobo perdera a ligação à terra dos pais, se é que alguma vez sentira a
ela pertencer. Vivia há mais de vinte anos em Lisboa. O Minho não passava para
ele de uma paisagem exótica e não idealizara a vida rural, transformando a
brutalidade do trabalho em folclore. E ainda havia, como escreveu, a
omnipresença da Igreja Católica. A vida diária girava à volta dos padres, das
igrejas, e se não era a religião, era vinho e aguardente.
Todos começavam
e terminavam as frases com um «salve-o Deus» e «um vá com Deus». Todas as
atividades eram «se Deus quiser». O feitor roubava-o, não havia nada a fazer,
era a «vontade de Deus». No regresso a Lisboa, aliviado de preocupações por uns
tempos, escreveu: «Tive de contribuir com uma oferta destinada à festa da Nossa
Senhora de Antime para o pároco me arranjar um feitor menos desleixado e, se
possível, menos ladrão.»
A Mulher do Legionário são
450 páginas de puro prazer de ler!
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