sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A MULHER DO LEGIONÁRIO, DE CARLOS VALE FERRAZ: UM ROMANCE QUE FALA DE FAFE


Carlos Vale Ferraz é um nome já incontornável da literatura dos nossos dias. É o pseudónimo do coronel Carlos de Matos Gomes, antigo oficial do Exército com três comissões em África. Data de 1982 o seu primeiro romance, Nó Cego, porventura a obra-prima da literatura da guerra colonial.
A Mulher do Legionário é o seu nono romance, publicado há escassos meses. É uma grande surpresa este romance histórico que abarca a vida dos portugueses desde a Conferência de Berlim até à transição para o presente século.
Fernanda, filha de Eduardo Lobo, um advogado oposicionista suspeito de ter à sua guarda documentos secretos que incriminariam membros importantes do regime de Salazar, envolve-se com Augusto Torres, um jovem e ambicioso membro da Legião Portuguesa, que recebeu a missão de descobrir tais documentos. Eduardo aparentemente suicida-se, o legionário casa com Fernanda (daí o título da obra) e os comprometedores papéis não aparecem.
Assim começa um excelente romance que tem todos os ingredientes da grande novelística, paixão e desamor, homicídio e vingança, numa história desconhecida do Portugal Contemporâneo, do regicídio à I República, da Ditadura Militar ao pós-25 de Abril.
A curiosidade desta obra é que Eduardo Lobo era de Fafe, estudara em Braga e teve de voltar ao Minho depois de sair da prisão, após o 28 de Maio de 1926.
Escreve o romancista (que só em Abril tivemos o gosto de ter em Fafe):
 “…depois da saída da prisão do Aljube, Eduardo Lobo cumpriu a obrigação de ir a Fafe fazer contas com o feitor, abrir a casa dos pais e dos avós, mostrar-se às gentes da terra, falar aos parentes afastados, mesmo aos que o evitavam como pestífero, responsabilizando-o pela desordem anterior, pelas fomes, pelos levantamentos da tropa, pelas iras dos padres, até pelos maus anos agrícolas. A república de Lisboa atacara Deus no seu reino e Deus vingara-se. Não se podia mandar calar os sinos das igrejas, nem proibir procissões, nem divorciar os casais, nem ir casar à câmara municipal, nem ser enterrado sem padre e esperar bons resultados. «Não se pode brincar com Deus, primo!» A situação está a compor-se, diziam-lhe com secura de uma acusação.
Há muito que Eduardo Lobo perdera a ligação à terra dos pais, se é que alguma vez sentira a ela pertencer. Vivia há mais de vinte anos em Lisboa. O Minho não passava para ele de uma paisagem exótica e não idealizara a vida rural, transformando a brutalidade do trabalho em folclore. E ainda havia, como escreveu, a omnipresença da Igreja Católica. A vida diária girava à volta dos padres, das igrejas, e se não era a religião, era vinho e aguardente.
Todos começavam e terminavam as frases com um «salve-o Deus» e «um vá com Deus». Todas as atividades eram «se Deus quiser». O feitor roubava-o, não havia nada a fazer, era a «vontade de Deus». No regresso a Lisboa, aliviado de preocupações por uns tempos, escreveu: «Tive de contribuir com uma oferta destinada à festa da Nossa Senhora de Antime para o pároco me arranjar um feitor menos desleixado e, se possível, menos ladrão.»

A Mulher do Legionário são 450 páginas de puro prazer de ler!

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