domingo, 28 de novembro de 2010

A I REPÚBLICA NOS MUNICÍPIOS PORTUGUESES

"A I República nos Municípios Portugueses" foi o tema dos XIII Encontros de Outono, que decorreram na Casa das Artes, em Famalicão, nos dias 26 e 27 de Novembro, actividade organizada pela Câmara Municipal de V. N. de Famalicão, através do Museu Bernardino Machado, no âmbito das comemorações do centenário da República em Portugal.
A iniciativa, de elevado alcance cultural e científico, como sempre, teve a coordenação do Professor Doutor Norberto Cunha, responsável científico do Museu Bernardino Machado, contando com a colaboração de outros docentes universitários, como os professores José Viriato Capela (Universidade do Minho), João Francisco Marques (jubilado) e Jorge Fernandes Alves (catedrático), ambos da Universidade do Porto.
Ao longo dos dois dias, falou-se da proclamação, implantação e consolidação da República em diferentes municípios portugueses, como V. N. Famalicão, Viana do Castelo, Chaves, Vila Real, Bragança, Guimarães, Barcelos, Braga, Amarante e Póvoa de Varzim, por estudiosos locais, profundamente empenhados em revelar os contornos da identidade de cada um dos municípios, para aquele período crucial da modernidade portuguesa.

Tive a honra de participar no evento, com uma comunicação, na manhã de sexta-feira, sobre “A Contra-Revolução Monárquica em Fafe (1911-1919)”.
Foi propósito desta intervenção (a única sobre esta temática) fornecer algumas linhas de força das repercussões das incursões monárquicas e da Monarquia do Norte no Município de Fafe, durante a I República.
Se é verdade que a primeira incursão, em 5 de Outubro de 1911, exactamente um ano após a proclamação da República, pouca relevância local teve, já a segunda, em 8 de Julho de 1912, produziu um considerável "levantamento" de monárquicos e de padres, embora sem consequências politicas. Em Fafe, na noite de 5 de Julho, às 24h00, foram queimadas duas dúzias de bombas de dinamite de grande estampido e os sinos de diversas freguesias tocaram a rebate. Cerca de 400 pessoas, parte delas armadas, saíram da Pica no sentido da Ponte da Ranha. Os republicanos dirigiram-se, por seu turno, à Ponte, mas já não encontram ninguém. Os monárquicos tinham desmobilizado.
Foram presos no local vários amotinados, enquanto os principais cabecilhas do motim, que eram padres, fugiram. Nos dias imediatos, foram presas mais de oito dezenas de pessoas, entre as quais os padres de algumas das paróquias do concelho.
Perto de uma vintena de clérigos foram presos, julgados nos Tribunais Marciais de Braga e de Cabeceiras de Basto e a grande maioria condenados, entre os quais o arcipreste da altura, Manuel Joaquim Teixeira Alves. Homiziaram-se em Espanha e no Brasil e seriam em 1913 beneficiados por uma amnistia governamental, que os fez regressar (ou a maioria) às suas paróquias, para continuarem o trabalho da contra-revolução…
Mais importante, naturalmente, foi a Monarquia do Norte, vigente entre os dias 19 de Janeiro e 13 de Fevereiro de 1919 e de que aqui se identificarão as repercussões essenciais na Administração Municipal e na imprensa local.
No caso de Fafe, o Reino da Traulitânia, como lhe chamou o escritor contemporâneo Campos Lima, significou um ambiente de perseguições aos republicanos e de alguma violência social, concretizada na agressão a bens e propriedades dos homens da República no concelho, que contrastou com o civismo das manifestações aquando da restauração da República.
Dessas perseguições, são paradigmas a suspensão do jornal republicano O Desforço, durante a vigência da Monarquia do Norte e a destituição das funções de oficial do Registo Civil de um republicano ilustre, o advogado Dr. Parcídio de Matos – que havia sido eleito Presidente da Câmara no início de 1918 e haveria de ser Administrador do Concelho, após a restauração republicana, por se recusar a fazer o juramento em favor da restauração das monarquia e de D. Manuel II, como era “obrigado” pela Junta Governativa que naqueles 25 dias imperou entre o Alto Minho e Trás-os-Montes e a linha Aveiro-Viseu. Nessa “monarquia do quarteirão”, como foi baptizada, por durar apenas 25 dias, mudaram os titulares da Câmara (presidente, o monárquico Padre José Silva e Castro, que já vinha do sidonismo) e a mesa da Misericórdia. Em meados de Fevereiro, tudo já retornara à normalidade republicana…
De realçar é a rapidez da reacção da então Vila de Fafe, quer à restauração monárquica, quer à restauração republicana, em ambos os casos no próprio dia dos acontecimentos, ao contrário do que sucedera nove anos antes aquando da proclamação da República, que apenas foi formalizada em 9 de Outubro, um domingo, quatro dias depois da mudança de regime na capital...
No final dos trabalhos, esta tarde e segundo o blogue http://litfil.blogspot.com/, de um dos técnicos do Museu Bernardino Machado e meu grande amigo, Amadeu Gonçalves, o vereador Dr. Paulo Cunha do município famalicense salientou duas ideias conclusivas: por um lado, sentia-se o pulsar republicano nos municípios mesmo antes da implantação da República. A República não foi uma imposição. Por outro lado, salientou a ideia que a República ficou aquém das expectativas, com algum défice democrático, salientando a falta de proximidade entre o eleitor e o eleito. A não criação de raízes políticas, caso da falta da dinâmica municipal, terá sido, talvez, uma das causas da queda da República.
Os "Encontros de Outono" constituem uma iniciativa excelente, a que tenho o hábito de assistir, todos os anos por esta altura, dado o interesse, a relevância e a qualidade dos temas que têm sido sucessivamente tratados.
As maiores felicitações ao município famalicense, ao Museu Bernardino Machado e ao meu grande amigo e professor Norberto Cunha (também um amigo de Fafe, onde frequentemente se desloca, como ainda aconteceu no passado dia 5 de Outubro, a propósito do centenário das República).
Fotos: Amadeu Gonçalves

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