Os bispos portugueses reuniram há uns dias em Fátima e, no final, o seu porta-voz apelou aos portugueses para que “não pactuem com a teoria dos consensos políticos mínimos” e mostrou-se “perplexo” com a “falta de verdade” nos centros de decisão da gestão pública.
Segundo a imprensa, afirmou D. Jorge Ortiga que “não podemos deixar de evidenciar a nossa perplexidade pela falta de verdade nos centros de decisão da gestão pública, pela ausência de vontade em solucionar os desafios actuais e pela ânsia obsessiva do lucro, que conduz à desumanização da vida”.
São, de enfiada, três graves acusações à classe política, que é quem tem legitimidade democrática para governar o país, não os eméritos bispos, por muito competentes e sábios que sejam: a crítica aos “consensos mínimos” (do PS e do PSD, obviamente, porque os bispos não têm a coragem de chamar aos bois pelos nomes, passe o plebeísmo…), a “falta de verdade” dos governantes e a falta de vontade para resolver a crise económica e financeira.
Mais uma vez, a hierarquia do clero não consegue estar calada e dedicar-se à sua missão no país, que não passa pelo terreno da política. A cada passo, quer fazer prevalecer as suas análises, nem sempre correctas, o que faz, obviamente, aproveitando a lógica de funcionamento do sistema democrático. Fê-lo na I República, contribuindo de algum modo para a sua dissolução, e voltou a fazê-lo no pós-25 de Abril, em que se tem demonstrado ágil a usar os mecanismos que a liberdade lhe confere. Porque no Estado Novo, tirando determinadas vozes contestatárias (D. António Ferreira Gomes , Padre Abel Varzim, Padre Mário da Lixa e poucos mais), não se ouviram os bispos portugueses a criticar o ditador Salazar pela política colonizadora, pelo empobrecimento deliberado da população, pelo estímulo do analfabetismo e da emigração, ou pelas atrocidades cometidas sobre os cidadãos oposicionistas que se atreviam a contestar a politica totalitária, por exemplo. Estavam atados de pés e mãos ao regime, que espelhava um jardim cor-de-rosa, para suas eminências.
Há mais de três décadas, recuperaram a voz, e ainda bem que o fizeram, para criticar a “coisa pública”. Mas não é legítimo que o façam de um ponto de vista derrotista e no plano estrito da política. Se querem contribuir para “mudar as coisas”, como parece ser a sua vontade axiomática, porque não se associam suas eminências em torno de uma formação partidária para verem o que vale o seu peso sociopolítico no Portugal do século XXI? Bem gostaríamos de ver!...
Curiosamente, os bispos não ficam lá muito contentes quando algum político ou até algum cidadão critica a excessiva riqueza da Igreja, por exemplo, visível em Fátima e nos grandes santuários, quando o clero e a sua organização fazem votos de pobreza e de humildade (e se não fazem, deviam fazê-los…), como o original Jesus Cristo. Ou reprova a desconformidade e a incoerência da prática do clero em relação ao que prega, dando razão ao velho e desgastado rifão “olhai para o que eu digo, não olheis para o que eu faço”. E quando condena visões retrógradas da Igreja, como as que se relacionam com o uso do preservativo, o celibato dos sacerdotes, o papel da mulheres.
E tantos outros se poderiam multiplicar!...
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