Tal como já vinha anunciando, o Governo aprovou ontem, em conselho de ministros, a eliminação de quatro feriados – dois civis e dois religiosos. Como quem deita os dados, sem qualquer critério e na mais pura ignorância, o que parece constituir a matriz de quem nos governa nestes dias de cinza, são eliminados o dia da Restauração da Independência (1 de Dezembro) e o dia da proclamação da República (5 de Outubro), além de duas datas religiosas que, curiosamente, ainda não se sabe quais são, nem quando serão oficializadas.
O país abre a boca de espanto quando o caricato Álvaro Santos Pereira, dito ministro da Economia, que ficou com a pasta da negociação dos feriados, admite que o corte das duas celebrações civis aconteceu porque "o governo aceitou a condição que a Igreja disse".
Porque, alegadamente, a Igreja Católica impôs que o corte do alegado excesso de feriados em Portugal fosse dividido a meias – duas datas religiosas, duas civis – e o Governo, submissa e cristãmente, dobrando a cerviz perante a hierarquia católica como faz perante a ditadura alemã, concordou.
Mas afinal quem manda no Estado laico que presumivelmente é o que vigora neste país: o governo ou a Opus Dei?
Os portugueses que votaram no PSD, votaram também na igreja para mandar no país? E quem perguntou aos portugueses em geral os feriados que queria suprimir?
É ridículo pensar que a economia do país vai crescer substancialmente quando se suprimem quatro feriados (parece que o problema não são os feriados, mas as pontes…). Não é por aí que se vão resolver os grandes problemas do país, como diz quem sabe.
O que aconteceu é que o governo fez mais uma vontade aos patrões, inventando mais um instrumento para aumentar o trabalho gratuito e reforçar o horário de trabalho, para além do que há pouco tinha promovido no conciliábulo da chamada “concertação social”, altura em que os outorgantes se comprometeram a eliminar "três a quatro feriados". O Governo optou, como sempre tem feito em prejuízo dos trabalhadores e em benefício do empresariado, para satisfazer interesses estranhos aos portugueses, por maximizar os sacrifícios.
Em vez de obrigar o patronato a melhorar a organização das empresas e a elevar a qualificação da maioria dos empresários; em vez de diminuir drasticamente os custos com a energia, os transportes e sobretudo com a fiscalidade, que é o que deveria fazer, como reclamam os empresários, o governo diverte-se a acabar com feriados, que não passam de um amendoim no contexto do repasto dos governantes e dos patrões.
O inenarrável Álvaro, mais grotesco do que parecia, diverte-se a proclamar que o 10 de Junho (Dia de Portugal) não foi escolhido porque, "nestas alturas de crise", é preciso haver um maior sentimento patriótico. Mas qual “sentimento patriótico”, quando Portugal está vendido à tróica e tem o seu futuro hipotecado à Europa pelo “bloco central de interesses”?… Brincamos, certamente!
Outra manifestação do humor negro do “estrangeirado” ministro da Economia é a sua explicação de que, sempre que os feriados civis de 5 de Outubro ou de 1 de Dezembro, agora abolidos, calharem a um dia útil, serão celebradas no domingo imediatamente a seguir.
Mas em que país pensa que está o Álvaro? Comemorar o feriado civil a um domingo, por que carga de água? O homem deve estar louco!...
O que está em causa é que, num país cujo regime reinante é exactamente a República instaurada em 5 de Outubro de 1910, e que ainda há menos de dois anos foi palco de grandes comemorações nacionais, esta decisão lamentável é no mínimo uma ofensa à memória dos combatentes da Rotunda que contribuíram para mudar Portugal e instaurar a modernidade deste país.
Haveria sempre alternativas para minimizar a “loucura economicista” que invadiu este país nos últimos tempos., que passariam até pela supressão do Carnaval. Mas esta certamente não interessa, porque é a identidade deste país desde há meia dúzia de meses!...
A eliminação dos feriados contribui para a perda da memória dos portugueses, fazendo esquecer marcos e datas fundamentais da sua História, mais recente ou mais remota. São símbolos evocativos da história e da cultura de um país; perdê-los contribui para o empobrecimento e o esquecimento dos cidadãos, o que é sempre lamentável.
Um povo que perde a sua memória, como estes governantes pretendem, é um povo sem leme, sem rumo, desnorteado. Um povo sem chão, despojado de identidade e de cidadania.
Como refere, e bem, o monárquico José Adelino Maltez, os feriados “são símbolos culturais, políticos, históricos, religiosos. São a maior riqueza de Portugal”.
Suprimi-los é um crime, sem dúvida!
Aliás, é um bispo emérito, D. Januário Torgal Ferreira, que há cerca de dois meses atrás, referia, certeiramente: “fica-se alarmado com a pequenez destas medidas. Não é com quatro ou cinco dias que vamos salvar o país. É um gesto perfeitamente mercantilista”.
Um recado para o governo, para a tróica, para os “mercados”, que são quem de facto manda nesta “choldra de país”.
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