sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Retrocesso civilizacional, ou os trabalhadores que paguem a crise!...

Esta semana, os direitos fundamentais dos trabalhadores portugueses foram "historicamente" espezinhados, até ao grau pouco-mais-que-zero, pela chamada “Concertação Social”, que mais não é que a panelinha cúmplice do governo e do patronato, com a conivência de um João Proença travestido de “patriota”, para a tróica apreciar, o que até é uma pena, porque gosto do homem.
Quem se ficou a rir de todo este espectáculo deplorável, a pretexto da crise, foram o castiço ministro Álvaro Santos Pereira e os líderes das confederações patronais, que esfregam as mãos de contentes, porque nunca, como em 2012, conseguiram ter o destino dos trabalhadores nas suas mãos, para fazerem e desfazerem contratos e despedimentos.
Porque o dito e “festejado” acordo que o governo e os parceiros sociais lograram, na verdade, muda o paradigma do mercado de trabalho e mais não representa do que um “retrocesso civilizacional”, de que fala a CGTP, que se afastou das negociações, por considerar que os direitos dos trabalhadores estão a ser vilipendiados. E estão.
O dito “acordo tripartido da concertação social” apenas e só penaliza os trabalhadores. Mais nada. Não há uma medida que o governo exija ao patronato. Nem medidas que o próprio governo concretize para apoiar a economia. Não há um esforço do patronato que faça sentido como contrapartida à quase servidão que estão a impor ao factor trabalho. O esforço para pagar a crise que não provocaram acaba apenas imposto aos trabalhadores por conta de outrem.
Na sequência do “histórico entendimento”, e não tendo o governo conseguido impor o aumento da taxa social única (TSU) ou fazer vigorar o aumento diário de meia hora, o que vem aí são os despedimentos mais facilitados e pelos motivos mais caricatos e subjectivos, que vão da menor produtividade às avarias das máquinas afectas aos operários, os horários de trabalho flexibilizados, as horas extraordinárias mais baratas, os cortes nas indemnizações em caso de despedimento, a diminuição das férias, que passam para 22 dias.
Do lado dos trabalhadores, tudo se reduz: subsídios, férias, feriados e indemnizações. Tudo penaliza: as faltas injustificadas coladas a feriados dão direito a corte de quatro dias no salário. Inimaginável! O que aumenta é a precariedade, a incerteza, a desmotivação e a insegurança.
O patronato ganhou mais: a possibilidade de impor trabalho ao sábado e apenas pagar mais 25%. E a de por e dispor do trabalhador no tal “banco de horas” que pode ir às 150 horas. O trabalhador, no limite, nunca sabe se pode programar a sua vida aos sábados ou aos feriados. O único dia sagrado é o domingo, como há um século atrás! Ao que chegou o Portugal Democrático, meu Deus! Quer dizer, até onde retrocedeu!
Aos patrões obviamente agradam todas as medidas que levem ao aumento dos lucros das suas empresas, embora ainda almejassem mais, porventura ter os trabalhadores ao seu serviço a pão e água ou com as “humanitárias” condições em que se trabalha nos países asiáticos. Porque o seu único propósito, como sempre foi, é a obtenção do lucro, e do máximo lucro, porque ninguém investe para perder dinheiro ou para ajudar os trabalhadores. Por isso, os patrões aplaudem com ambas as mãos as medidas que penalizam o factor trabalho e deixam de fora o factor capital, dando perfeita sintonia ao espírito liberal-capitalista que enforma a ideologia actualmente dominante.
As conquistas sociais e laborais, que prestigiaram o país desde o 25 de Abril, sofreram esta semana a sua mais rude machadada dos últimos 35 anos.
E o que revolta qualquer cidadão atento é verificar que os sacrifícios maiores são impostos aos trabalhadores, sempre o elo mais fraco e não aos patrões, nem ao governo, cujo “espírito de classe” fica clarificado, de uma vez por todas.
Bem pode o ministro Álvaro afirmar que «Portugal mostra ao mundo, aos mercados que mais uma vez sabemos ultrapassar as nossas diferenças e unirmo-nos nos momentos de dificuldade», ou que os seus comparsas falem num disparate chamado “maioria social”, porque o que está em causa é a deplorável desqualificação e exploração quase medieval dos trabalhadores e a imposição de “trabalho forçado”, como alguns acusam, com razão.
Chamam ao polémico documento, “Compromisso para a Competitividade e Emprego”, mas mais valia apelidá-lo de “Compromisso para o Empobrecimento e o Desemprego”.
Até porque o factor “trabalho”, que o documento caustica até à paranóia, não é o mais importante no contexto da economia, segundo especialistas. Fundamentais, são a carga fiscal, o preço da electricidade e os custos dos transportes, factores que o Governo não quer aliviar, porque não convém perder as receitas dos impostos.
Por estas e por outras, apetece referir que este governo (e tudo o que gira em seu redor) é como todos os outros, Sócrates incluído: forte com os fracos (os trabalhadores) e fraco com os fortes (Jardins, financeiros, banqueiros, capitalistas…).
A tróica não impunha que o regabofe fosse tão longe!...

PS – Um governo que “assalta” os direitos fundamentais, as horas e os salários dos trabalhadores por conta de outrem, a pretexto do ajustamento orçamental, anda muito preocupado com os roubos nos multibancos, nas ourivesarias e nos mercados. Supino cinismo: para esta gente, o património vale mais que as pessoas!

(Escrita em Dia, Povo de Fafe, 20/01/2012)


1 comentário:

sovaitporto@gmail.com disse...

Caro Artur Costa,
Parabens pelo seu artigo que é um bom resumo sobre os direitos laborais perdidos agora...Sou ex-operário metalúrgico/siderúrgico e ex-educador social, agora reformado -mas não retirado..."quem me comeu a carne que me roa os ossos!..."

Na actualidade estou ligado à anarco-sindicalista AIT-SP (Associaç.Internacional de Trabalhadoras/es- secção portuguesa )e tenho também aí a meu cargo a organização de várias acções de formação para trabalhadores. Uma dela com o nome "Conhece os teus direitos...antes que tos tirem!" ...e talvez vá mudar o título para "Conhece os direitos que te roubaram, os que ainda te restam e a LEGITIMIDADE dos que TENS DE EXIGIR"...

Saudações anti-capitalistas!

J.Rocha P.