Encontro-me,
por estes dias, a ler, com o máximo prazer e proveito, a obra “Da Corrupção à
Crise. Que fazer?”, da autoria de Paulo de Morais, minhoto natural de Viana do
Castelo, ex-vice-presidente da Câmara Municipal do Porto (2002-2005), conhecido
professor universitário e vice-presidente da Associação Cívica Transparência e
Integridade. Um corajoso e intrépido combatente pela transparência na vida política!
Numa
pequena obra de 145 páginas, o autor desmembra algumas falácias que a
propaganda oficial monta, incessante e despudoradamente e a comunicação social reproduz,
acriticamente, sem o mínimo vislumbre de análise ou de sentido de questionação.
É
uma obra que, pelo menos, suscita a maior reflexão de quem a manuseia, porque o
que lá se afirma é demasiado sério para podermos passar em claro a realidade
que nos rodeia.
Este livro contraria duas mentiras
colossais que contaminam a sociedade portuguesa: a de que os portugueses
andaram a gastar acima das suas possibilidades e a de que não há alternativa à
austeridade.
A primeira é a ideia, repetida até à
exaustão, de que os portugueses são responsáveis pela crise, porque esbanjaram,
compraram bens de consumo que não deviam e a que alegadamente não tinham
direito. Acusam os cidadãos de terem gozado férias caras, terem adquirido
automóveis e outros bens sem necessidade, dos telemóveis aos tablets.
Nada mais falso – repete Paulo de
Morais.
Até porque, em 2009, no início da
crise, 70% da dívida privada financiava a especulação imobiliária e apenas 15%
era crédito ao consumo.
“Quem viveu e esbanjou muito acima das
suas possibilidades nas últimas décadas foi a classe política portuguesa e seus
apaniguados, que se alimentaram da enorme manjedoura que é o orçamento do
Estado”, esclarece e dá exemplos: as administrações central e local
enxamearam-se de milhares de boys, criaram-se institutos inúteis, fundações
fraudulentas e empresas municipais fantasmas. Atrás deste regabofe veio uma
epidemia fatal: a corrupção.
A principal causa da crise em que
Portugal se encontra mergulhado é a corrupção, sustenta aquele corajoso lutador
em favor da transparência na vida política. Alguns grupos económicos, apoiados
pelas grandes sociedades de advogados, dominam completamente a actividade
política que se transformou, ela própria, numa grande central de negócios.
Indica vários paradigmas, em que o
Estado investe e sai sempre a perder, ainda que sejam geradas mais-valias
urbanísticas, como foi o caso da Expo 98. Exemplos de corrupção são também as
infraestruturas construídas para o Euro 2004, a aquisição dos famosos
submarinos no tempo de Paulo Portas, que envolveu o pagamento de luvas, “com
corrupção provada e condenados, mas só na Alemanha”. Os escândalos do BPN e do
BPP, as PPP sobretudo rodoviárias.
Em todos os casos há negócios
fraudulentos, em prejuízo do interesse público e em benefício dos privados e
que são os cidadãos que acabam por ter de suportar, à custa da redução dos seus
ordenados, das suas pensões, do aumento dos impostos, do enfraquecimento de
direitos e garantias, do desmantelamento, enfim, do Estado Social.
Os responsáveis são conhecidos mas a
Justiça portuguesa nunca ou raramente castiga os responsáveis pelos escândalos
ou pelos crimes de corrupção.
Ainda agora, sustenta Paulo de Morais,
enquanto o país empobrece, a classe média se extingue e o desemprego alastra, a
corrupção continua a aumentar, os mecanismos de corrupção agravam-se e cresce a
promiscuidade entre a política e os negócios. Entre os anos 2000 e 2012,
Portugal desceu do 23º para o 33º lugar no ranking
da transparência que elenca os países em função da sua capacidade de se
libertarem do fenómeno da corrupção. Ou seja, segundo o autor, “Portugal
obteve, nesta década, o vergonhoso título de campeão mundial do aumento da
corrupção”.
O Estado português chegou à bancarrota
porque sucessivos governos andaram a beneficiar os amigos, esbanjando o
dinheiro dos nossos impostos, assegura o autor.
Há, no entanto, uma saída, uma
alternativa que não é a austeridade, ao contrário do que apregoam com
insistência políticos e fazedores de opinião – é o combate à causa maior da
crise, o combate à corrupção, cuja luta deveria ser tarefa fundamental de todos
as entidades públicas.
Paulo de Morais elenca inúmeros
exemplos, em todo o Estado, de alto e baixo, com uma coragem assinalável. E
propõe, como saída para a crise, o combate eficaz à corrupção, a transparência
na vida pública, leis claras e simples, uma justiça eficaz, que deixa de ser
forte com os fracos e débil perante os poderosos, a renegociação global de
todas as parcerias público-privadas, a imediata reestruturação da dívida
pública, a redução dos alugueres e rendas imobiliárias que o Estado paga neste
momento, o combate ao desperdício e a criação de uma nova classe dirigente,
para que o país “seja bem governado”, em função do interesse da sua população
“e não de alguns grupos económicos que dominam o país de forma feudal”.
Finaliza Paulo de Morais, neste seu
livro que todos os portugueses deveriam ler, meditar e divulgar: “Os
governantes de que hoje precisamos são os que consigam enfrentar, sem medo, os
actuais poderes fáticos que empobrecem o país e preservam uma estrutura
económica e política de tipo feudal”.
São esses os nossos votos para 2014,
cientes de que não os vamos encontrar. Para mal de todos nós!