sexta-feira, 6 de setembro de 2013

UM PAÍS A ARDER, UM ESTADO QUE SE DEMITE!


 
1. Ano após ano, inexoravelmente, como o relógio marca as horas, o Verão deflagra em chamas colossais que consomem florestas sem fim, sementeiras, gados, casas, carros, vidas inteiras de trabalho e de canseiras, esperanças num futuro mais luminoso. Um inferno. Um autêntico cenário de guerra. Quando menos se espera, as nuvens de fumo elevam-se, desesperadas, e rapidamente explodem em ígneos clarões, incontroláveis, roncantes, perante os gritos dos populares, a angústia, a revolta, o pânico, a impotência.
As sirenes irrompem dos quartéis no silêncio das vilas e cidades, de dia ou de noite. Quando o flagelo rebenta.
Após dias e dias de combates, de notícias bombásticas, de destruição, as amplas manchas florestais anteriormente verdes aparecem vestidas de negro, para enterrar ainda mais a auto-estima e a economia de um país em vertiginosa crise. Económica e de valores.
Todos os anos o cenário se repete, ou agrava, restando a mesma miséria, a mesma indignação, o mesmo pavor. Que mais parecem inelutáveis, uma fatalidade, mas que não o são. Não podem ser.
Agosto foi explosivo. Setembro, pelo menos para já, acalmou, também fruto das condições climatéricas.
Portugal, um país pequeno, transformado num enorme braseiro que vai consumindo, chocantemente, vidas humanas e bens materiais.
Na segunda quinzena de Agosto, as ignições cifraram-se entre 200 e 300 por dia. Houve mesmo um dia (20) em que chegaram às 350.
Perante esse panorama, não há meios adequados para o combate aos incêndios. Em média, foram mobilizados 5500 operacionais por dia, que não chegam para as encomendas e andam dias seguidos a combater os fogos, exaustos, esfomeados, sedentos.
O saldo até agora registado é catastrófico: a área ardida, em números provisórios, ultrapassava em 30 de Agosto os 94 mil hectares.
As perdas humanas são trágicas: oito bombeiros mortos (António Ferreira, 45 anos; Pedro Rodrigues, 41 anos; Ana Rita Pereira, 24 anos; Bernardo Figueiredo, 23 anos; Cátia Pereira Das, 21 anos, Bernardo Cardoso, 19 anos; Fernando Manuel Reis, 51 anos e Daniel Falcão, 25 anos) e ferimentos em algumas dezenas. Imensas perdas humanas e materiais, com veículos ardidos totalmente e outros danificados.
Uma desmedida aflição colectiva.
Um incomensurável prejuízo económico. O ministro do Ambiente, Moreira da Silva, falava por estes dias que “nos últimos dez anos, destruímos três mil milhões de euros de valor económico da floresta”. Quase 300 milhões de prejuízos/ano. Um absurdo! Uma enormidade!
Um desastre ecológico de dimensões inimagináveis. Levaremos décadas a reproduzir as espécies arbóreas que em horas ou dias são consumidas pelas chamas.
 
2. Aqui chegados, falta apontar as causas, para tão devastadores e fatídicos efeitos.
Sabe-se de uma chamada “indústria dos incêndios”, das motivações económicas dos que fretam avisões a milhares de euros à hora, dos que negoceiam materiais destinados ao combate aos incêndios, das celuloses que aproveitam a situação, das urbanizações que podem nascer nos terrenos ardidos, dos que não querem pagar para utilizar as reservas de caça turística e associativa.
Haverá também comportamentos negligentes, vinganças entre vizinhos e outros factores menores.
Mas há sobretudo um plano conspirativo claro para destruir a floresta, essa imensa riqueza e beleza nacional, com intuitos de benefício com o crime. Ou por mera insanidade.
Há claramente o crime à solta, patente na realidade de que 40% dos incêndios começam ou acontecem durante a noite. Não consta que o sol nocturno tenha força para provocar fogos.
E há, fundamentalmente, a trágica e inqualificável demissão do Estado.
Um Estado que se demite de assumir directamente o combate aos incêndios, deixando a fatia de leão para os interesses privados dos alugadores de aviões e dos vendedores dos materiais de combate, entre outros.
Um Estado que se demite de obrigar os proprietários a limpar as matas e a cumprir a lei, em tempo oportuno, fiscalizando e aplicando sanções para os incumpridores. Mais prevenção é fundamental.
Nessa tarefa deveriam colaborar os subsidiados pelos nossos impostos e na vigilância de verão um lugar especial deveria haver para as forças militares que o país financia e que deveriam patrulhar os territórios florestais.
Um Estado que se demite de dar o exemplo, limpando as matas e florestas de que é proprietário.
Porque todos sabemos que um dos cancros maiores desta calamidade é a ausência de uma política florestal e o abandono da floresta portuguesa, como têm sublinhado as entidades do sector.
E o Estado é proprietário da «floresta mais maltratada do país», como bem refere Jaime Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses: «Com este exemplo, não se pode exigir aos outros que façam diferente». Sem dúvida!
Um Estado que se demite de alterar a moldura penal para os incendiários que atentam contra os bens, o património e os cidadãos deste país. Há que endurecer as penas contra os criminosos, doa a quem doer, e apesar das considerações algo infelizes da Ministra da Justiça. Diz a senhora que “pena mais pesada não resolve o problema dos incendiários”. Mas seguramente resolveria o problema dos portugueses!...
Há que criminalizar mais duramente os crimes de fogo posto, para que sirvam de exemplo e dissuasão aos incendiários a soldo dos mais obscuros interesses e insanidades.
Voltando ao presidente da Liga, partilhamos a sua opinião de que «o Código Penal tem de ser analisado de forma que não permita que um incendiário seja levado a juízo e depois vá para casa com apresentações periódicas. Estas coisas não podem continuar assim».
Um incendiário, provado o dolo, deveria ser condenado à pena máxima. Sem dó nem remissão, porque está a destruir e empobrecer o país.
Os fogos florestais não podem ser vistos como uma fatalidade inelutável. Como alguém refere, os fogos evitam-se, não se combatem!
O Estado não pode demitir-se das suas responsabilidades, como tem feito ao longo de décadas, com pesados custos para o país, em mortes, em prejuízos económicos, sociais, ecológicos.

3. No fim da linha, quando tudo falha, sobra para os bombeiros. Que, nos momentos críticos, não chegam para tudo, como é natural e compreensível.
Não me canso de exaltar os bombeiros, o seu heroísmo, o seu voluntarismo, a sua dedicação, a sua disponibilidade permanente, seja a que hora for, do dia ou da noite. Ser bombeiro é quase uma doença. Uma boa doença, que promove missões no sentido cristão do bem-fazer sem olhar a quem, do exercício da solidariedade, da generosidade, da entrega total à defesa da vida e dos bens alheios, sem olhar a credos, a condições sociais e económicas, a opções políticas ou ideológicas. O seu paradigma é um evangelho de pensamento e acção: “Vida por Vida”, até ao sofrimento e à morte, como se tem visto este Verão.
Bem formados, excelentemente preparados, heróis e mártires, os bombeiros são os melhores do mundo e os melhores de todos nós.

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