1. Ano após
ano, inexoravelmente, como o relógio marca as horas, o Verão deflagra em chamas
colossais que consomem florestas sem fim, sementeiras, gados, casas, carros,
vidas inteiras de trabalho e de canseiras, esperanças num futuro mais luminoso.
Um inferno. Um autêntico cenário de guerra. Quando menos se espera, as nuvens
de fumo elevam-se, desesperadas, e rapidamente explodem em ígneos clarões,
incontroláveis, roncantes, perante os gritos dos populares, a angústia, a
revolta, o pânico, a impotência.
As sirenes irrompem dos quartéis no
silêncio das vilas e cidades, de dia ou de noite. Quando o flagelo rebenta.
Após dias e dias de combates, de
notícias bombásticas, de destruição, as amplas manchas florestais anteriormente
verdes aparecem vestidas de negro, para enterrar ainda mais a auto-estima e a
economia de um país em vertiginosa crise. Económica e de valores.
Todos os anos o cenário se repete,
ou agrava, restando a mesma miséria, a mesma indignação, o mesmo pavor. Que
mais parecem inelutáveis, uma fatalidade, mas que não o são. Não podem ser.
Agosto foi explosivo. Setembro, pelo
menos para já, acalmou, também fruto das condições climatéricas.
Portugal, um país pequeno,
transformado num enorme braseiro que vai consumindo, chocantemente, vidas humanas
e bens materiais.
Na segunda quinzena de Agosto, as
ignições cifraram-se entre 200 e 300 por dia. Houve mesmo um dia (20) em que
chegaram às 350.
Perante esse panorama, não há meios
adequados para o combate aos incêndios. Em média, foram mobilizados 5500
operacionais por dia, que não chegam para as encomendas e andam dias seguidos a
combater os fogos, exaustos, esfomeados, sedentos.
O saldo até agora registado é
catastrófico: a área ardida, em números provisórios, ultrapassava em 30 de
Agosto os 94 mil hectares.
As perdas humanas são trágicas: oito
bombeiros mortos (António Ferreira, 45 anos; Pedro Rodrigues, 41 anos; Ana Rita
Pereira, 24 anos; Bernardo Figueiredo, 23 anos; Cátia Pereira Das, 21 anos, Bernardo
Cardoso, 19 anos; Fernando
Manuel Reis, 51 anos e Daniel Falcão, 25 anos) e ferimentos em algumas dezenas. Imensas perdas
humanas e materiais, com veículos ardidos totalmente e outros danificados.
Uma desmedida aflição colectiva.
Um incomensurável prejuízo económico.
O ministro do Ambiente, Moreira da Silva, falava por estes dias que “nos
últimos dez anos, destruímos três mil milhões de euros de valor económico da
floresta”. Quase 300 milhões de prejuízos/ano. Um absurdo! Uma enormidade!
Um desastre ecológico de dimensões
inimagináveis. Levaremos décadas a reproduzir as espécies arbóreas que em horas
ou dias são consumidas pelas chamas.
2. Aqui
chegados, falta apontar as causas, para tão devastadores e fatídicos efeitos.
Sabe-se de uma chamada “indústria
dos incêndios”, das motivações económicas dos que fretam avisões a milhares de
euros à hora, dos que negoceiam materiais destinados ao combate aos incêndios, das
celuloses que aproveitam a situação, das urbanizações que podem nascer nos
terrenos ardidos, dos que não querem pagar para utilizar as reservas de caça
turística e associativa.
Haverá também comportamentos
negligentes, vinganças entre vizinhos e outros factores menores.
Mas há sobretudo um plano
conspirativo claro para destruir a floresta, essa imensa riqueza e beleza
nacional, com intuitos de benefício com o crime. Ou por mera insanidade.
Há claramente o crime à solta,
patente na realidade de que 40% dos incêndios começam ou acontecem durante a noite.
Não consta que o sol nocturno tenha força para provocar fogos.
E há, fundamentalmente, a trágica e
inqualificável demissão do Estado.
Um Estado que se demite de assumir
directamente o combate aos incêndios, deixando a fatia de leão para os
interesses privados dos alugadores de aviões e dos vendedores dos materiais de
combate, entre outros.
Um Estado que se demite de obrigar
os proprietários a limpar as matas e a cumprir a lei, em tempo oportuno,
fiscalizando e aplicando sanções para os incumpridores. Mais prevenção é fundamental.
Nessa tarefa deveriam colaborar os
subsidiados pelos nossos impostos e na vigilância de verão um lugar especial
deveria haver para as forças militares que o país financia e que deveriam
patrulhar os territórios florestais.
Um Estado que se demite de dar o
exemplo, limpando as matas e florestas de que é proprietário.
Porque todos sabemos que um dos
cancros maiores desta calamidade é a ausência de uma política florestal e o
abandono da floresta portuguesa, como têm sublinhado as entidades do sector.
E o Estado é
proprietário da «floresta mais maltratada do país», como bem refere Jaime
Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses: «Com este exemplo, não se
pode exigir aos outros que façam diferente». Sem dúvida!
Um Estado que se demite de alterar a
moldura penal para os incendiários que atentam contra os bens, o património e
os cidadãos deste país. Há que endurecer as penas contra os criminosos, doa a
quem doer, e apesar das considerações algo infelizes da Ministra da Justiça.
Diz a senhora que “pena mais pesada não resolve o problema dos incendiários”.
Mas seguramente resolveria o problema dos portugueses!...
Há que criminalizar mais duramente
os crimes de fogo posto, para que sirvam de exemplo e dissuasão aos
incendiários a soldo dos mais obscuros interesses e insanidades.
Voltando ao presidente da Liga, partilhamos
a sua opinião de que «o
Código Penal tem de ser analisado de forma que não permita que um incendiário
seja levado a juízo e depois vá para casa com apresentações periódicas. Estas
coisas não podem continuar assim».
Um incendiário,
provado o dolo, deveria ser condenado à pena máxima. Sem dó nem remissão,
porque está a destruir e empobrecer o país.
Os fogos florestais
não podem ser vistos como uma fatalidade inelutável. Como alguém refere, os
fogos evitam-se, não se combatem!
O Estado não pode
demitir-se das suas responsabilidades, como tem feito ao longo de décadas, com
pesados custos para o país, em mortes, em prejuízos económicos, sociais,
ecológicos.
3. No fim da linha, quando tudo falha, sobra
para os bombeiros. Que, nos momentos críticos, não chegam para tudo, como é
natural e compreensível.
Não me canso de
exaltar os bombeiros, o seu heroísmo, o seu voluntarismo, a sua dedicação, a
sua disponibilidade permanente, seja a que hora for, do dia ou da noite. Ser
bombeiro é quase uma doença. Uma boa doença, que promove missões no sentido
cristão do bem-fazer sem olhar a quem, do exercício da solidariedade, da
generosidade, da entrega total à defesa da vida e dos bens alheios, sem olhar a
credos, a condições sociais e económicas, a opções políticas ou ideológicas. O
seu paradigma é um evangelho de pensamento e acção: “Vida por Vida”, até ao
sofrimento e à morte, como se tem visto este Verão.
Bem formados,
excelentemente preparados, heróis e mártires, os bombeiros são os melhores do
mundo e os melhores de todos nós.
Sem comentários:
Enviar um comentário