Na
noite de sexta-feira, 18 de Outubro, teve lugar na Sala Manoel de Oliveira, em
Fafe, a apresentação da obra “Momentos do Olhar”, estreia poética de João
Gonçalves.
Tive
o privilégio de redigir o prefácio e apresentar a obra, perante dezenas de
amigos e familiares do poeta.
Deixo
de seguida, o essencial das palavras que proferi na sessão, que contou com a
presença do vereador da cultura e poeta, Pompeu Martins e do responsável maior
da editora Labirinto, João Artur Pinto, que também felicitaram o autor.
A
sessão contou com a participação musical de Diana a Duarte Baptista e leitura
de poemas por Acácio Almeida.
“É-me
especialmente grato deixar aqui algumas palavras em torno deste livro.
Por
ser seu amigo e colega de trabalho há longos anos, mas sobretudo pela agradável
surpresa que resulta destes Momentos do
Olhar, um título sugestivo que remete desde logo para a pluralidade dos
modos de recolher e investir em cada instante de que se cria o poema.
Cada
poema nasce do seu momento, reflecte inevitavelmente o olhar interior ou
exterior do poeta, as suas emoções, os seus registos oníricos, as suas
vivências.
Uma
primeira obra, naturalmente, tem os seus pontos mais fortes e as suas
fragilidades. Felizmente, os primeiros superam as segundas, e, quando assim é,
vale a pena seguir em frente e desfrutar de quanto de luminoso e inesperado se
colhe nas páginas do livro.
O
poeta é um ser sensível que experimenta a radicalidade das emoções, o esplendor
dos sonhos, a aventura do amor. Os corpos quentes da noite, o encontro dos
sentidos, a fúria dos instintos. A mistura poética e escultural, de um corpo
que é vida e que é arte. A deusa que o poeta ardentemente aspira, para
adoração, como fonte de água cristalina e fogo que acendeu o rastilho do
desejo. Mas também a sua ausência, a precariedade e a carência do ser amado.
Porque amar-te não é pecado
E o amor não tem dono (Ausências,
p. 25)
Poemas
de amor há inúmeros, talvez a maior parte do livro seja um longo poema de amor,
em diferentes momentos. Mais ou menos sensuais e até atrevidos.
Como
este pequeno texto (p. 14):
A fera, ferida,
Felina, de garras afiadas
Olhos, penetrantes
Boca húmida,
Corpo Sinuoso
Curvas traiçoeiras
Lâmina brilhante
De quadril cativante.
Ou
no poema Memórias (p.26), de que
leio um excerto:
E nas minhas memórias
Recruto a imagem do teu corpo
Filho de um amor que não é o meu
Maior dos meus encantos
E em cada curva do teu corpo
Eu quero estar presente
Quero abraçar-te e sentir
O teu calor ardente
Os teus lábios tocando nos meus
Os teus olhos a reluzirem
Meu amor é só teu
Não o deixes partir.
Há
diversos outros exemplos, mas terão de ser os leitores a enumerá-los.
Uma
obra onde o sonho também é político: de Timor “esquecido” (p. 18), em determinada
altura, à aspiração dos que lutaram pela liberdade, contra a ditadura, por um
país azul! (p. 19):
Azul, o sonho
Tinham o sonho
O sonho que um dia seria possível
viver em liberdade
E foram acreditando
Tinham um sonho
O sonho que era possível viver em
democracia
Era a esperança
Tinham o sonho
O sonho que um dia poderiam regressar
do exílio
A Saudade
Tinham o sonho
O sonho que um dia cairia a ditadura
Era a vontade
Tinham o sonho
O sonho que Portugal seria um país
azul
Sim azul!... Como o céu!
Uma
obra onde o poeta escolhe o lado dos mais fracos, dos desfavorecidos, dos
deserdados da vida, dos velhinhos, dos sem-abrigo (p.22):
Vítima
És vítima do sistema
Que não quer sequer sentir
Que ainda procuras esquina
Para poderes dormir
Estendes na pedra fria
Um simples cartão
Que usas todos os dias
Como fosse o teu colchão
Serves-te do manto achado
Para poderes pernoitar
E diminuíres o frio
De um sono ao luar
Mas
também ao menino órfão, que abre sorrisos e arranca lágrimas, ou à “criança sem
ninguém e abandonada” (p. 50).
Igualmente
há lugar para belas homenagens poéticas ao pai e à mãe, como pilares
fundacionais da sua existência.
Os
poemas são, em geral, sintéticos, enxutos, de uma linguagem tecida no bragal do quotidiano, mas investindo
num arrojo literário já assinalável para quem começa. Em imagens e figuras de
estilo de que se podem deixar aqui alguns exemplos, extraídos de poemas
diferentes:
O calor da beleza
Pulsa em minhas mãos…
(…)
sedento, mas forte
Embriago-me nos beijos… (p. 13)
Tocar os lábios de mel… (poema Desejos, p. 31)
No
poema Na madrugada:
Apaga-se a lua
Acende-se o fogo do meu coração
(…)
Invento caminhos para te ver passar
Talvez um vício, um pecado
Que teme a estrada da madrugada
Onde passo nos mais tímidos dos
silêncios.
Ou
no poema Comparando (p. 51):
O cabelo como uma floresta
Os olhos como o Sol ou a Lua
Nas veias oceanos e rios…
A poesia é exactanente tudo aquilo que, pela palavra e
pela emoção, comove,sensibiliza e desperta sentimentos.Estas características
estão, inteiras, nas páginas desta obra, cuja leitura não posso deixar de
recomendar.
Deixo aqui dois poemas breves que marcaram a minha
leitura e gostaria de partilhar convosco:
Noite (p. 17)
Pelas ruas
No frio e no silêncio
De mãos gélidas
Nada encontro
Simplesmente a noite
Mergulhada nos seus silêncios
Murmurando o eco de um nome
Escondido nos seus segredos.
Espírito de alma (p. 57)
A alma flui…
No horizonte o sol
A onda do mar
Um olhar um adeus
Lágrima que teima
Aconchego ternura
Suspirando, bebendo
Minha pele na tua,
Teus olhos nas estrelas…
Teu toque nas pétalas
No murmúrio das ondas
O sopro da brisa
Teus lábios nos meus
Poemas
de inegável qualidade literária, tal como a generalidade dos que integram esta obra.
Resta-me
deixar felicitações muito amigas ao João Gonçalves, que seguramente tem
potencial para novas incursões na área da poesia, valorizando a cultura e os
valores do nosso município!”.
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