domingo, 7 de novembro de 2010

UM ANO DE SAUDADE

Pai, partiste há exactamente um ano desta para outra vida, porventura mais luminosa, não sabemos. Voltei hoje a estar perto do teu coração, a ver, na tua imagem, aquele sorriso franco e rubro como as papoilas. Voltei ao teu cheiro de muito antigamente, quando a infância era o meu reino, por entre os campos lavrados pelos arados de Maio. Quando subia aos ninhos e rasgava os calções, escorregando pelos pinheiros, sob o teu olhar cândido e compreensivo. Todas as crianças sobem, pelo brilho das manhãs, de encontro à aventura das rolas.
Pai, neste ano, muita coisa mudou. Eu próprio mudei. A perspectiva da tua morte, fez-me repensar a vida e, quem sabe?, o meu próprio fim. Deixa que te conte as muitas lágrimas que derramei em tua memória, porque só sei chorar os que amo profundamente. Podes crer que não há dia que passe sem que o teu rosto fraterno assome à minha lembrança. O meu coração transporta-te todos os dias, todas as horas, todos os minutos, como o ar que respiro.
As tuas árvores, que amorosamente podavas, continuam à espera das tuas mãos calosas. Não se desviaram um milímetro e choram, em determinados momentos, como que de saudade.
O teu carro ainda guarda a tua imagem; o Tico ainda te reconheceria. Não o diz a ninguém, mas também sente a tua falta, como só os cachorros conseguem sentir.
Pai, quero que continues a afagar-me o cabelo, a beijar-me a face de menino, que serei eternamente para ti.
Pai, que bom é ser teu filho eternamente!...
Como te escrevia há um ano, naquelas mensagens cintilantes entre corações, tu apenas passaste para o reino glorioso da luz, e dos cristais, e das andorinhas que tecem a liberdade sob os céus.
Que bem o merecias, esse universo de carinho e de azul e do infindo descanso das planícies. As minhas lágrimas são apenas de alegria pela felicidade de te ter tido como Herói, Amigo, Irmão, simplesmente Pai!
Pai, tinha muito para te dizer, mas o que neste mundo sobressai é refugo. A crise está a dar cabo do país que conheceste, e do qual, em boa hora, emigraste. Não há palavra de honra, impera a corrupção, não há dia que passe sem que apareçam buracos orçamentais e vigarices que tais. O país é uma vilania pegada. Este fim-de-semana veio cá o presidente da China. Falou-se de economia, de acordos bilaterais, de compra de dívida, menos de direitos humanos. Esse é um excelente emblema para debruar os discursos do Cavaco e do Sócrates. A prática é outra coisa… Quando voltarem a falar de “direitos humanos”, vamos mandá-los para o raio que os parta, ou para um lugar ainda pior, como gostavas de praguejar…
Vou dar-te uma novidade, que vai gostar: esta noite, o teu FCP cilindrou o meu Benfica por escandalosos 5-0. Este ano, o delicadinho que treina a tua equipa, e cuja arrogância espúria me causa comichão mental (sempre detestei gajos arrogantes…), pode encomendar as faixas!... E justamente, apesar de tudo!
Um beijo, meu pai. Até sempre! O meu coração nunca deixará de ser a tua morada resplandecente!

4 comentários:

Luísa disse...

Quando o AMOR escreve SAUDADE!
Quando a SAUDADE escreve com AMOR!
Um beijinho terno

ARTUR COIMBRA disse...

Obrigado pelas suas palavras sempre atentas, sempre amigas.
Bjos.

Carlos disse...

Por muito tempo que passe, as pessoas de quem gostamos continuarão sempre coladas ao nosso coração.
Um abraço

ARTUR COIMBRA disse...

Obrigado, Carlos Afonso, pela sua amizade. Você já sabe bem do que estou a falar!...
Um abraço amigo.