As cartas de amor são ridículas, disse Pessoa
que escreveu cartas de amor. São ridículas as citações
obsessivas, pornográficas de Pessoa. São ridículas
as comemorações que nada comemoram,
nem ao menos os poetas
que passaram pela vida, na indiferença de quem passa.
E nem só dos poetas: ridículas são as comemorações
da juventude que nada tem para festejar, nem o estudo,
nem o emprego, nem a habitação. Ridículo é quem decreta
os anos nacionais e internacionais sem sentido: os anos
passam, ridículos, nada muda. Ficam os colóquios, os
congressos, as reuniões, as exposições, os livros,
as parangonas, os jornais, as citações ridículas. Nada se
aproveita senão papel e palavras vistosas, doentias, vãs.
A criança continua sem protecção, o deficiente sem direitos,
a mulher sem igualdade, o jovem sem futuro, e paz sem
conteúdo. Fica o ridículo dos gestos, o ridículo dos mitos,
o ridículo das intenções dos funcionários do bom-senso.
Ridículo é eu estar aqui a escrever como quem se obstina
em extrair cristais das pedras, positivamente desinspirado,
fumando um ridículo cigarro, ouvindo o ridículo ladrar
de um cão repetitivo, pensando que é afinal ridículo não
ter nada que pensar. E eu esperava construir um poema
minimamente metafísico, quer dizer, ridículo!...
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