domingo, 23 de janeiro de 2011

Daniel Bastos encheu Teatro-Cinema com os seus Estudos sobre Fafe Contemporâneo

O Teatro-Cinema de Fafe encheu na gélida noite de sábado para assistir à apresentação da obra Fafe – Estudos de História Contemporânea, da autoria do jovem historiador Daniel Bastos.
A anteceder a sessão, registou-se uma excelente intervenção musical pelo compositor fafense Nélson de Quinhones que executou um interlúdio de homenagem ao General Humberto Delgado e cuja partitura foi gentilmente oferecida pelo autor à Dra. Iva Delgado, filha do General e presidente da sua fundação, presente na sessão.
A mesa solene da sessão foi presidida pelo presidente da Câmara, José Ribeiro e integrou Iva Delgado, João Artur Pinto, Daniel Bastos e o signatário.
Todos os intervenientes louvaram a competência do jovem autor, o seu esforço, o seu talento, o seu trabalho já de uma década em prol da história local deste município, que ficou extraordinariamente enriquecida com esta obra.
Uma sessão cultural de elevado gabarito que honra Fafe e dignifica o jovem historiador, acrescentando-lhe as inerentes responsabilidades.
A minha intervenção na noite de sábado teve por base o posfácio que escrevi para a obra e que a seguir reproduzo, pedindo desculpa pela dimensão do texto. Mas não o posso reduzir. Seria trair o seu contexto.

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A História Contemporânea de Fafe ganhou, nos últimos anos, um jovem, qualificado e auspicioso investigador, Daniel Bastos, que tirocinou nas páginas amigas da imprensa local e foi-se impondo, com competência, esforço e empenho em textos de maior fôlego, perenizados na revista cultural Dom Fafes e um dos quais lhe valeu, justamente, em 2005, o Prémio de História Local – Câmara Municipal de Fafe.
Fafe – Estudos de História Contemporânea integra quatro desses artigos, qual deles o mais consistente, inovador e relevante para o conhecimento da historiografia do município nos últimos decénios. Referimo-nos, concretamente, aos textos “As visitas do rei D. Carlos I ao município de Fafe em 1906 e 1907: análise e contexto político, económico e social”; “A participação portuguesa na I Guerra Mundial. Reflexos políticos e sociais: o exemplo de Fafe”; “As Eleições Presidenciais no Estado autoritário português. Processos e actores políticos no concelho de Fafe em 1949 e 1958 e “Visitas de governantes do Estado Novo ao concelho de Fafe (1933-1974): economia, ideologia e política estadonovista num contexto local”.
Nenhum desses temas havia sido objecto de um estudo tão aprofundado e sistematizado, como o foi pelo autor.
Todavia, verdadeiramente inovadores, a meu ver, pela pesquisa bibliográfica e pelo aparato metodológico, são os dois grandes marcos que pontuam a arquitectura desta obra. Refiro-me aos artigos que têm como título “O concelho de Fafe durante a Primeira República (1910-1926): actores, processo político e conjuntura socioeconómica”, de uma actualidade vibrante, dado estarmos em plena comemoração do Centenário da República, bem como “A Revolução de Abril entre 1974 e 1976 num contexto local: a transição política, partidos políticos, comícios e as primeiras eleições autárquicas democráticas em Fafe”. Este é, na minha opinião, o texto mais forte e revolucionário desta obra, cujos sucessos muitos de nós ainda recordam e que tem a mão prodigiosa de um autor que nem havia nascido. Daniel Bastos aborda, com mestria, a dissolução da estrutura autárquica estadonovista em Fafe, os movimentos democráticos que foram criados na altura, nas áreas da política, da agricultura, da educação e do sindicalismo, entre outros, serpenteando, com imensa perícia, pelo “Verão Quente” de 1975 em Fafe. Momentos relevantes são ainda o surgimento dos quatro principais partidos políticos no nosso concelho (PS, PSD, CDS e PCP), e os seus primeiros comícios na então vila, bem como a envolvência e os resultados locais das primeiras eleições autárquicas do regime democrático saído do 25 de Abril de 1974.
Fafe – Estudos de História Contemporânea configura uma exaustiva e profunda investigação bibliográfica e documental. Daniel Bastos leu dezenas de obras colectivas e centenas de artigos de autores de renome científico, revistas universitárias, etc. Basta salientar que, ao longo da obra, são relacionadas mais de 1 400 notas de rodapé e referenciadas aproximadamente três centenas de citações bibliográficas, o que demonstra o cuidado e a segurança do autor na elaboração dos seus textos, afastando ao máximo os laivos de subjectivismo que todo o trabalho historiográfico comporta.
Apresenta, desta forma, uma sólida panóplia informativa, com recurso aos mais autorizados autores nacionais da historiografia do século passado, para enquadrar os episódios, os eventos e os personagens da história local, sempre que a oportunidade os convoca. Na primeira linha, está o recurso à imprensa local e regional, como fonte fundamental e estratégica para a elaboração do conhecimento e da escrita historiográfica das diferentes abordagens do século transacto. Mas também os arquivos (sobretudo o municipal) foram perpassados pela lupa do investigador, que se serve naturalmente de todos os instrumentos epistemológicos para melhor construir os seus textos, devidamente organizados, do ponto de vista metodológico.
A obra é enriquecida ainda por uma ampla gama de ilustrações, fotografias e imagens, grande parte extraída das páginas amarelecidas dos jornais locais, que notoriamente a valorizam, além de se estribar numa linguagem ajustada, consentânea, rica, em termos estilísticos, quase literária, que denota uma forte formação intelectual e cultural do jovem autor.
Fafe – Estudos de História Contemporânea, tocando os momentos fundamentais e as mudanças fulcrais subsequentes às grandes convulsões do século passado, da forma que é feita, acaba por avultar como a primeira história sumária do século XX em Fafe. Arranca com as fugazes visitas a Fafe do rei D. Carlos, ainda em plena monarquia; acompanha a queda da realeza e a ascensão da República, reportando as suas incidências e legado na então vila; equaciona as repercussões em Fafe da I Grande Guerra Mundial; avança pelo Estado Novo e pelas ocorrências que caracterizaram as eleições presidenciais de 1949 e 1958, evidenciando os seus actores locais e os resultados eleitorais; relaciona as visitas dos chefes de Estado e dos governantes do Estado Novo ao concelho de Fafe durante o salazarismo e o caetanismo (1933-1974), e tantas foram, envoltas, meticulosa e orquestradamente, no aparato e no folclore ideológico da época; e, enfim, já depois do novo regime instaurado em 25 de Abril, detém-se, longa e profundamente, no período revolucionário que se operou em Fafe entre os anos de 1974 e 1976.
Não poderia dizer menos de uma obra fantástica, que enriquece extraordinariamente a historiografia e a cultura deste município, que se impõe pelo seu valor intrínseco, e é gigantesco, mas também pelo acréscimo que representam as introdutórias palavras abalizadas de Iva Delgado, essa imensa mulher que enche a memória colectiva portuguesa de orgulho, na esteira de seu pai, o General sem Medo, raiz luminosa de onde iria brotar um país de Liberdade e de Democracia, que é hoje o nosso, pense-se o que se pensar da actualidade política.
Ao Daniel Bastos, só posso deixar o merecido, profundo e sentido abraço de felicitações e a certeza de que Fafe muito tem a beneficiar das suas investigações e do seu trabalho historiográfico, de que Fafe – Estudos de História Contemporânea é apenas a rampa de lançamento!

NB – Gostaria ainda de felicitar a Labirinto, a nossa editora de afectos, por mais esta excelente obra que enriquece a historiografia e a cultura deste município e do país.
É admirável a acção que tem vindo a ser desenvolvida nos últimos 10 anos no concelho e no país, por esta editora fafense, pequena no tamanho mas enorme na projecção que já conseguiu por todo o território nacional. Parabéns aos seus responsáveis e em especial a João Artur Pinto, seu obreiro maior.
Uma palavra ainda para a obra de arte gráfica que é este livro e que tem a grandeza de Manuel Carneiro, da Gráfica do Norte (Amarante), habitual gráfico das edições da Labirinto.
Fotos: Manuel Meira Correia

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