domingo, 27 de fevereiro de 2011

Sócrates adia regionalização para as calendas

Os jornais de hoje reproduzem uma notícia que, embora não inesperada, de todo, acaba por revelar-se triste e deplorável.
José Sócrates, na qualidade de secretário-geral do PS, ao apresentar, este sábado, a sua moção de estratégia ao próximo congresso do seu partido, voltou a adiar a regionalização do país, que mais não é que um imperativo constitucional. Foi uma das bandeiras socialistas das últimas eleições, mas, uma vez mais, o centralismo lisboeta protela para as calendas a urgente e inadiável regionalização, que permitiria assegurar um desenvolvimento mais equilibrado do país.
O argumento para o adiamento do debate sobre o tema, é lamentável. Diz Sócrates: “O facto é que, neste momento, as circunstâncias económicas e políticas – em boa parte dada a recusa do PSD em avançar efectivamente para a regionalização – não favorecem, de todo, este movimento. Ignorá-lo seria um sinal de falta de lucidez, que poderia conduzir à definitiva derrota da ideia da regionalização”.
O que significa várias ideias. A primeira, é que enquanto a crise económica se mantiver em Portugal, não haverá referendo à regionalização, a não ser que Sócrates seja apeado do poder, o que, vistas as coisas, não demorará assim tanto tempo.
A segunda, e decorrente daquela, é que o PSD, o previsível inquilino seguinte de S. Bento, também não estará disposto a regionalizar o país.
A terceira ideia, é imensamente simples, mas dolorosa: tanto o PS, como o PSD, estão, mais uma vez, embora por razões diferentes, mancomunados para manterem um centralismo administrativo retrógrado e que já não se usa em lado algum. Tão modernizadores, tão “simplexes”, tão tecnológicos que se apregoam, e ambos são afinal mais conservadores que o regulamento permite. “Posteriormente”, quando houver uma “oportunidade adequada” volta-se ao assunto…
No limite, e lastimo ter de fazer esta afirmação, o argumento de Sócrates para não implementar a regionalização, a de que os portugueses não estão preparados para decidir a regionalização, faz-me lembrar a afirmação dos dirigentes do antigo regime: os portugueses não estavam preparados para a democracia. Será que é necessário um novo “movimento dos capitães” para combater as assimetrias regionais neste país?
Entretanto, e para justificar e manter esta lógica centralista, mais de 170 milhões de euros de fundos comunitários destinados ao desenvolvimento da província foram nos últimos anos canalizados para o Terreiro do Paço, que manda nesta espelunca toda, enquanto para a Europa eles são contabilizados como se aplicados em Trás-os-Montes, nas Beiras ou no Alentejo.
Chama-se a esta artimanha uma inqualificável fraude, uma burla política, uma espoliação dos povos que vivem nas regiões de onde Lisboa desviou os fundos que a elas eram destinados. Como nortenhos, temos de julgar os políticos que assim nos roubam.
Pelo que se lê nos jornais, a moção de Sócrates acaba de resultar num deserto de ideias, sem esperança, sem motivação, sem confiança.
Não mexe nos governos civis; não mexe nos deputados; não mexe na divisão administrativa do território. Não mexe nos lucros crapulosos dos bancos e das empresas monopolistas. Não mexe nos vencimentos indecorosos e imorais dos gestores públicos. Só consegue tirar dinheiro aos funcionários públicos e aos beneficiários da Segurança Social.
E, para cúmulo, ainda diz candidatar-se a secretário-geral do PS com um primeiro objectivo, o de que o congresso sirva para “reforçar a identidade do partido enquanto esquerda democrática, moderna e europeia”.
Como militante socialista, gostaria de deixar exarado que não me revejo minimamente no alegado esquerdismo da sua prática, que não tem passado de uma trajectória de direita. Estes cinco anos de governação de Sócrates, demonstraram que o PS não passa, hoje em dia, de um partido com absolutas práticas de direita, e da mais esdrúxula. O que se fez em diversas áreas, da educação aos direitos de trabalho, nem o PSD se atreveria a tanto. O PS tem feito o “trabalho sujo” que deveria caber à direita, para depois o PSD vir distribuir rebuçados.
Isso não se perdoa a um líder que não tem nada de socialista, que é um erro de casting do partido que, historicamente, teve socialistas autênticos e respeitados como Mário Soares, Salgado Zenha, Jorge Sampaio ou António Guterres. Estes, ao menos, tinham “alma social”, que é identitária do PS e que Sócrates, a maior desilusão (para mim, obviamente) da história do PS, tem desfeito, com as suas medidas alegadamente “pragmáticas” e “para responder à crise”. As crises têm de ser pagas por todos (não é o que se tem verificado em Portugal…), a começar pelos que mais têm. Não é a começar pelos que menos têm, deixando incólumes os primeiros…
Se essa prática identifica um partido da “Esquerda democrática, moderna e europeia”, eu já nem sei em que acredito…
Sei, claramente, em quem já não acredito!

2 comentários:

Fábio Araújo disse...

Boa noite, não dá mais pra confiamos nos politicos.... http://noticiapresiddentemedici.blogspot.com/

pedro sousa disse...

Caro Dr. Coimbra,
Este artigo, que não me surpreende, porque já o disse publicamente que me considero bem mais de esquerda do que muitos socialistas (veja-se este caso), fez-me lembrar o percurso de alguns em Fafe. Em Regadas, a esquerda era o Álvaro que se preocupava com todos (e no passado apoiou o Nelson Pinto contra, precisamente, um regime parvo do PSD que estava instalado) e saberá, certamente, quem esteve lá... a actual Presidente da Junta (secretária)... Pelos vistos, nós somos da esquerda e quem apoia José Ribeiro veio da direita... Olhe que não é só em Lisboa.
Mas para ganhar... já serve! De preferência que não faça muito barulho.
Era altura de descentralizar o poder por todo o lado...
Abraço, Pedro Sousa