segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Acácio Almeida apresentou o seu terceiro livro de poemas na Biblioteca Municipal de Fafe

Mesa que presidiu ao lançamento do livro: (da esquerda para a direita) João Pinto, Pompeu Martins, Acácio Almeida, Artur Coimbra
Na tarde de sábado passado, a Biblioteca Municipal de Fafe encheu-se de amigos, familiares e admiradores de Acácio Almeida, para testemunhar a apresentação do seu terceiro livro de poemas, Esvoaços 2.
Ao menos, o poeta não levou duas décadas para repetir a proeza de se aventurar na edição de mais uma obra, como havia feito entre o primeiro e o segundo livros.
Desta vez, foi mais comedido e económico no tempo. Ficou-se pelos três anos. O anterior livro havia sido apresentado em Abril de 2008.
A sessão arrancou com uma excelente intervenção musical de José Salgado Leite, que se espraiou em canções e baladas como só ele sabe cantar.
Tive depois a honra de dizer algumas palavras sobre a obra e que aqui recordo.

Excelente intervenção musical de José Salgado Leite
Dedicado aos seus amigos e amigas, “principalmente Deus”, Esvoaços 2 integra 50 poemas, basicamente datados de um arco temporal entre 2008 e 2011.
Nem todos os poemas estão datados, mas de 2008, há 3 poemas; de 2009, 4; de 2010, 17 e de 2011, 19. O que significa que a produtividade lírica veio em crescendo, sendo culminante no ano que decorre.
O poema mais antigo do livro, dedicado a Mia Couto, data de Maio de 1971 e o segundo, dedicado à mãe, é de Dezembro do ano seguinte. São versos arqueológicos no contexto desta obra. O mais recente é já de 12 do passado mês de Agosto de 2011. Tem pouco mais de um mês.
Sobram apenas 5 poemas não adstritos a qualquer datação.
E se nem todos os poemas estão datados, também nem todos estão referenciados geograficamente.
Dos que estão, 31 têm a indicação de Fafe, 5 de Vila do Conde, 5 do Porto, 2 de Guimarães e 2 de Moçambique, um de Miteda (o tal devotado a Mia Couto) e outro de Namialo (o que é dedicado à mãe).

A estrutura dos dois últimos livros, curiosamente, apresenta algumas semelhanças: um conjunto inicial de poemas com título, seguido de um outro grupo de poemas numerados, sob a epígrafe “Cambiantes”, que são a continuação de Esvoaços 1 (e este já o era de Esvoaços). É o único núcleo temático que tem continuidade ao longo das três obras.
Depois de mais um conjunto de seis poemas dispersos, aflora um núcleo temático de 17 poemas sob a epígrafe “Quadros”.
Dir-se-á que continua a haver uma louvável evolução na escrita poética de Acácio Almeida, ao longo dos seus três livros.
Se o primeiro é assumidamente mais de intervenção, de preocupação social, obra de pendor mais realista, os dois seguintes inscrevem uma poesia mais trabalhada, mais madura, mais moderna, mais “literária”, no que isso tem de louvável esforço de depuração imagética e estilística.

Lembremos que a poesia, no seu significado grego original, deriva do verbo “criar”, sendo o poeta aquele que “faz”. O poema é, assim, uma coisa feita, trabalhada, como qualquer artefacto, sendo, neste caso, as palavras a matéria-prima usada.
A poesia é então um artesanato feito com palavras mas, ao contrário do que sucede quando usamos palavras para nos entendermos no dia a dia, as palavras usadas em poesia não são apenas entendidas pela nossa razão. Há um elemento emocional, diríamos, irracional, metafísico, que sobreleva tudo o resto.
É a diferença que vai do quotidiano à literatura.
A palavra poética é a palavra mágica, a palavra profética, a palavra que eleva o sentido do quotidiano a patamares quase divinos.
Modernamente, e como defendia o escritor e poeta David Mourão Ferreira, e eu costumo citar, a poesia “é, antes de mais, linguagem; mas linguagem animada pela emoção, intensificada pelo ritmo, transfigurada pela metáfora”.

A poesia de Acácio Almeida bebe nas águas destes conceitos, como veremos a seguir.

Aqui se fala da viagem
no tempo
bilhete no bolso
sem destino marcado

mas também do amor, onde se escreve a água dos dias que vem da nascente mais pura, espreguiçando-se na planície, e onde

há moinhos na margem do rio
que transformam lágrimas
em laços de ternura (p. 17).

Aspecto do público que assistiu ao evento
São poemas simples, acessíveis e que se lêem com imenso agrado.
A série Cambiantes tece-se de um conjunto de uma dezena de escassos e belíssimos versos, de matriz oriental, de pendor lírico ou sensual, onde o uso dos recursos estilísticos, cumpre o que acima se dizia sobre a linguagem transfigurada pela metáfora.
É o caso de

e afago

com um sorriso
os subúrbios do teu corpo

e afago

como vento de erosão
numa brisa suave
as colinas do teu peito (p. 44)

ou

meu amor
gosto deste silêncio

o silêncio do olhar  (p. 46)

ou num dos textos mais expressivos da obra:

estendo entre os lençóis
o cansaço do dia

encostados um ao outro

pela clarabóia
a lua vem até aqui
acendendo a noite (p. 50).

Ou

As amizades são hortênsias que não ladram… (p. 67)

Os exemplos poderiam repetir-se, mas não vale a pena ir mais longe. Por um lado, uma oficina poética que investe sobre o trabalho linguístico, literário.
Mas por outro, uma preocupação sempre presente pelos dramas do quotidiano, com o que se aproxima da temática social da sua primeira obra.
São exemplos dessa preocupação poemas como DENTRO DO OLHAR (p. 13), COGITAÇÕES 1 e 2 (pp. 36 e 37), POEMA PERDIDO (p. 38), INTEMPORAL (p. 40) e POEMA PARA MINHA MÃE (p. 68).

Muitos parabéns ao velho amigo Acácio Almeida por mais este belíssimo conjunto de poemas, que nos transporta a um mundo mágico, de onde não apetece sair, porque o quotidiano está cada vez menos poético!...

Na sessão, foram recitados poemas do autor e falaram ainda o editor João Pinto, que “justificou” mais uma obra e falou da aventura que tem sido a Labirinto na última dúzia de anos; o poeta, que acabou lendo um belíssimo poema de Jorge Luís Borges dedicado aos amigos e, por fim, o vereador da Cultura, Pompeu Martins, também ele um poeta de elevados recursos, que relevou a qualidade e a elegância poética de Acácio Almeida, em cujos poemas ressoa, sem o saber, a lírica de autores japoneses. Pompeu Martins fez questão ainda de patentear a verdade e autenticidade que transpira da poesia de Acácio Almeida, o qual prometeu, publicamente, que em 1 de Outubro começa a escrever o seu primeiro romance, para corresponder ao desafio da filha Juliana.
Cá ficamos à espera deste cometimento!...

Fotos: João Artur Pinto

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