E pronto, as férias foi um ar que lhes deu, para quem a elas teve acesso, obviamente! São sempre bem vindas, como é consabido, sempre necessárias e imprescindíveis a quem trabalha, ou estuda, para desanuviar da rotina do quotidiano, por uma questão de saúde mental e para permitir fazer o que durante o ano não se consegue, a atracção da família e dos amigos, num ambiente descontraído, de total disponibilidade de afectos, de tempo e de ócio, que contrasta com o negócio e a usura que caracterizam o resto do ano.
Nestes dias de festa – todos os dias de férias são domingo - tentamos esquecer e desculpabilizar a realidade que nos cerca, as notícias inquietantes que vamos assimilando, numa atitude de deixar para Setembro o rol de preocupações que podemos adiar. Em férias, o melhor é não pensar em nada, se possível desligar dos meios de informação (para mim, opção impossível, pois não consigo alhear-me do país e do mundo, por um dia que seja…), comer e beber, sem culpas, como se não houvesse amanhã, ler o que não temos tempo ou pachorra para fazer durante os restantes meses, sobretudo os romances e os livros de poesia que vamos protelando, à espera de melhores dias…
Findo o tempo de lazer e de descanso, voltamos à dura realidade do dia a dia, este ano especialmente penosa.
E a realidade impõe-nos um país onde a classe média tem a sobrevivência cada vez mais difícil, porque o executivo se compraz num ataque feroz e desenfreado à bolsa de quem trabalha, que já está a pagar mais a crise do que os detentores do capital. Um país onde um Governo que tomou posse há pouco mais de dois meses já aumentou os impostos por quatro vezes, apresentando-se hoje mais que fiel servidor da “troika”. Um Governo mais “troikista” do que o que manda a dita cuja. Quando subiu ao poder, em Junho, Pedro Passos Coelho recusava o aumento de impostos, como o anterior governo havia feito, alegadamente porque os portugueses já estavam saturados. Pelos vistos, as promessas caíram em saco roto e a palavra de candidato a governante vale zero, como já antevíamos. Assim, a realidade impõe-nos um governo trapaceiro e saqueador. No final de Junho, na apresentação do programa de Governo, o primeiro-ministro anunciava aos portugueses que em Dezembro terão de pagar um imposto extraordinário equivalente a metade do subsídio de Natal. Um “roubo”, como já foi muito e bem catalogado. Exactamente, no último dia de Agosto, o monocórdico e soturno ministro das Finanças (cada vez que fala, é para aumentar impostos…) veio anunciar mais acréscimos de tributos. Que, no próximo ano, os mais ricos não vão escapar ao pagamento de mais 2,5% de IRS e as empresas com lucros acima de 1,5 milhões de euros mais 3%.
A estas “boas novas”, que representam o Guiness das medidas mais penalizadoras dos portugueses num menor período de tempo, há que acrescentar as mexidas nas taxas do IVA que deverão entrar em vigor no próximo ano, e a subida deste imposto no gás e na electricidade que entra em vigor já em Outubro. Para quem, ainda há três meses, garantia que em caso algum iria aumentar os impostos, até que nem está nada mal… Está péssimo!
Somem-se a este descalabro social o aumento brutal dos transportes públicos que afectam milhões de pessoas, os absurdos cortes, da ordem dos 11%, nos custos operacionais dos hospitais (a “troika” apenas exigia 5%...), o que traduz a insensibilidade de um ministro tecnocrata e meramente economicista, de quem já não era de esperar outra coisa, a redução dos efectivos e o congelamento dos salários, das progressões e promoções dos funcionários públicos, entre outros. Uma cáustica austeridade que afectará a classe média até pelo menos 2014, enquanto o “subsídio solidário” dos mais ricos se estende apenas “por dois anos”, como faz questão de referir o justo e igualitário Governo que nos coube na rifa.
Dos afamados cortes nas “gorduras do Estado”, de que Passos Coelho tanto se gabava de saber onde efectuar, zero, nicles, niente. Na melhor das hipóteses, lá para 2012. Uma desilusão colossal, como alguém a classificou, e muito bem!...
A realidade impõe-nos ainda um país em que as famílias mais pobres são obrigadas a adquirir os manuais escolares (que podem chegar aos 300 euros) e só recebem o dinheiro passados meses.
Para já não falar dos 37 mil professores que não conseguiram emprego nas escolas, colocando em situação dramática aqueles docentes, que se qualificaram para o ensino das novas gerações e vão assim engrossar a legião dos desempregados.
Para já não falar de negócios calamitosos para o país, como o desbaratamento do BPN, a operação mais ruinosa de que há memória!...
Para já não falar das previstas privatizações dos sectores estratégicos da economia nacional (energia, água, comboios, correios), ao desbarato, numa delapidação patrimonial de que não há comparação em países europeus. Só em Portugal, claro!... É fartar, vilanagem!...
Para já não falar de um país que o governo pretende assistencialista, virado para os “coitadinhos dos pobrezinhos”, para quem se fabricam toscos PES e para quem se dedicam os restos do que existe!... Como no tempo da outra senhora, de má memória!
Este Governo parece apenas ter a ciência e a competência para esbulhar os cidadãos trabalhadores, os reformados e os subsidiados. A malta do capital, coitadinha, não se toca, porque pode querer fugir com os capitais para os célebres offshores. E que fujam, os capitais, e eles, que não fazem cá falta nenhuma!... Quem não paga impostos, que vá pregar a outras paragens (à Madeira, pode ser, juntar-se aos “patriotas” que por lá ajardinam…).
A realidade impõe-nos um país irrespirável, onde apenas relevam as contas, o deve e o haver, as “troikas” e os défices. Estamos no reino da política de mercearia. Dos cortes dos rendimentos do trabalho e dos aumentos de impostos. Para os cidadãos trabalhadores e para a classe média. Os mais endinheirados, são sagrados. Nesses não se mexe, como quer Passos Coelho, e ainda ontem reafirmou, em Berlim, porque essas coisas não se asseveram cá no burgo.
As pessoas não interessam, como já se viu fartamente. São esmagadas com impostos, com cortes, com dificuldades agravadas. Por isso, não será surpresa que nos próximos meses as ruas se encham de manifestações e o ambiente social se exaspere.
É que essa coisa dos “brandos costumes” não passava de propaganda salazarista!...
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