1. A deriva de direita está a ir longe
de mais, sem qualquer pudor. Mais que uma agenda ideológica deliberada para
empobrecer generalizadamente este país (com a óbvia excepção dos ricos, que
continuam praticamente intocáveis, e dos políticos sedeados em S. Bento, a quem
a crise não afecta minimamente, por desvergonha de todos eles), o que está em
causa, por parte do governo e em especial de Passos Coelho e do funcionário do
FMI Vítor Gaspar, é o determinado empenho em curso para alterar o paradigma
político, económico e social fundado pelo 25 de Abril de 1974 e legitimado pela
Constituição da República Portuguesa, dois anos depois.
Há
inequivocamente, a pretexto da grave crise económica, uma estratégia política
para alterar os fundamentos em que assenta a democracia tal como a temos vivido
desde a estabilização constitucional.
A
solene treta da “refundação” do programa de ajustamento, não passa de uma
descarada tentativa de legitimar o desmantelamento do Estado Social, uma das
bandeiras das sociedades modernas, como garante do acesso de todos os cidadãos
a sistemas públicos em áreas fundamentais como a saúde, a educação e a
segurança social.
Para
lograr aquela estratégia, Passos Coelho lança o engodo ao Partido Socialista,
como se não fosse contraditório um partido socialista embarcar em aventuras
despudoradamente liberalizadoras. Obviamente, o PS não se mostra disponível
para destruir o Estado Social, e ainda bem. Porque ao Estado incumbe defender o
sector público da economia e da sociedade. O Estado não pode ser o provedor dos
interesses das grandes empresas, da finança e da banca, que é o que este
governo está a fazer.
E
quando o primeiro-ministro ameaça que ou “refundação” ou um segundo resgate,
todos concluímos há muito que um segundo resgate é inevitável, e menos doloroso
do que triturar até ao osso os portugueses, em especial a classe média. É
preciso mais tempo e mais dinheiro. Só a prepotência, a insensibilidade social
e a teimosia de um político impreparado e incompetente como o que nos governa
tem adiado o indeclinável. Porque a questão é tão óbvia como isto: se não há
dinheiro para pagar a dívida nos prazos estabelecidos, a solução é renegociar,
como qualquer doméstica ensinará. Renegociar prazos e juros perante uma troika que não passa de pura
especuladora e destruidora da economia nacional (em pouco mais de um ano de
resgate, Portugal perdeu 428 mil empregos), que por isso devia ser incriminada
e os governos que conduziram ao “buraco” onde nos encontramos. Mas para isso é
necessário um governo que não passe de mero capacho da senhora Merkel; que a
tudo diga ámen e curve servilmente o cachaço. É necessário um governo que tenha
vontade política de dialogar e negociar, não apenas cumprir, obedecer, ceder.
Ou
seja, é urgente outro governo: este deveria ser demitido sem mais delongas por má
governação e por “embuste”, como disse um destes dias o insuspeito Medina
Carreira. Não cumpriu nada do que prometeu e executou tudo em contradição com o
que consta do seu programa eleitoral.
2. Enquanto tal não acontece, Passos
fala agora da “reforma mais profunda” do Estado. A reforma poderia
aprofundar-se, se até ao momento tivesse havido alguma reforma. Este governo
não reformou coisíssima nenhuma. Limitou-se até agora a cortar salários,
aumentar impostos, empobrecer os cidadãos. A única reforma executada por este
governo consistiu em levar o fisco ao fundo dos bolsos dos contribuintes.
Prometeu
cortar “gorduras” do Estado, mas até agora limitou-se a engordar o mesmo Estado
com uma chusma de “boys” da sua rede clientelar, ditos “especialistas” (de
coisa nenhuma, a não ser em chorudos vencimentos).
Corta
ordenados aos trabalhadores e pensões aos reformados, mas não corta às luxuosas
frotas automóveis de ministros e deputados, aos gabinetes e assessores, aos
ordenados dos ministros e deputados, às viagens, às mordomias do aparelho de
Estado, a começar pelo governo, parlamento e Presidência da República. Era por
aí que deveria começar o exemplo.
3. A ministra da Justiça é muito
engraçada: quando há um mês os socialistas Mário Lino, António Mendonça e Paulo
Campos foram alvo de buscas domiciliárias pelo Ministério Público, no âmbito do
inquérito crime às Parcerias Público-Privadas
rodoviárias, logo veio, chincheira, Paula Teixeira da Cruz sublinhar que
“ninguém está acima da lei”, que “tudo deve ser investigado” e que “acabou o
tempo” em que havia “impunidade”.
A
semana passada, quando o nome de Passos Coelho apareceu na imprensa associado a
escutas telefónicas no quadro do caso “Monte Branco”, numa situação que não
está minimamente esclarecida na opinião pública, a mesmíssima pessoa veio indignar-se
e clamar contra a fuga de informação, bla, bla, bla… Afinal, há ou não há
pessoas “acima da lei”?!...
Ora,
vá-se catar, senhora dona!...
4. Um conhecido banqueiro, aludia a
semana passada ao que chamava “ditadura do Tribunal Constitucional”, quando
este órgão veio claramente facilitar a vida ao governo. Esta semana, atreveu-se
a declarar que o povo português ainda suporta mais austeridade.
O
homem só pode estar louco, ou a gozar com a cara dos portugueses!...
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