1. O governo está empenhado em intoxicar
a opinião pública com a famigerada “refundação”, que ninguém sabe definir ao
certo o que seja, tão infeliz e despropositadamente foi lançada a “boca” pelo
primeiro-ministro. Ainda neste sábado, um dos mais lúcidos pensadores
portugueses, Adriano Moreira, dizia desconhecer os contornos do conceito, após
consultar os manuais de ciência política.
A
única evidência é que se torna necessário cortar a enormidade de 4 mil milhões
de euros até 2014, porque as contas de Vitor Gaspar mais uma vez saíram
furadas. Na verdade, nunca se viu um ministro das finanças tão arrastada e
continuamente incompetente. Não acerta uma!... Aliás, não se percebe porque é
que ainda não foi demitido. Ou melhor, entende-se apenas na perspectiva de ser
um agente da troika para ajudar a destruir
o país, como é claramente a agenda desses usurários e de quem os representa cá
dentro.
Num
país onde a humildade e a transparência políticas fossem uma norma, a primeira
coisa que o governo faria era comunicar aos cidadãos as razões do falhanço sucessivo
das previsões e que obrigam a cortes suplementares. O governo deve uma
explicação aos portugueses e um pedido de desculpas.
Porque
se chegámos onde chegámos, apesar dos cortes até agora efectuados em tudo o que
mexe, da destruição da economia, do bárbaro acréscimo do desemprego e dos
aumentos brutais de impostos que estão previstos para 2013, que não chegam a
nada, ao que se diz, é porque o governo tem falhado rotundamente a sua política
de overdose de austeridade e em todas
as metas que se propôs (défice, desemprego, crescimento).
E,
por isso, o que seria expectável era que Passos Coelho e Vitor Gaspar viessem a
público, primeiro assumir erros e depois pedir sacrifícios. Não o fazendo,
estão a fornecer argumentos aos portugueses para não aceitarem o genocídio
fiscal que aí vem e a bestialidade prevista para 2014. Porque ninguém entende o
que se está a passar, para que é o balúrdio de milhões que se anuncia, sendo
que, tragicamente, não consegue vislumbrar-se uma “luz” ao fundo do túnel, após
anos de sacrifícios impostos aos portugueses. A treta da “recuperação”
económica e financeira no próximo ano, garantida pelo líder do PSD, em Agosto,
veio esbarrar com a realidade apontada pelo primeiro-ministro, que, por acaso,
e só por mero acaso, é a mesmíssima pessoa, subserviente à senhora Merkel, que
hoje visita, descaradamente, o centro da submissão lusitana (o governo e a
presidência). Espera-se que seja recebida com a “cordialidade” e o “respeito”
com que está a tratar os portugueses e os povos europeus do sul, e que Passos
Coelho se esforça por transformar no palco da provinciana adulação!...
O
governo não pode estar permanentemente a escudar-se nos “buracos” passados, até
porque estes têm muito o “dedo” dos seus correligionários da Madeira e do BPN,
pelo menos, que são muita da nossa actual perdição.
E
Passos Coelho não foi eleito para se estar continuamente a jeremiar e a
camuflar a sua patente incapacidade com os erros alheios. Ou tem vontade de
resolver os problemas do país, seriamente, ou dê de frosques, porque dele
começamos a ficar fartos!...
Um
primeiro-ministro que se submete passiva e servilmente a tudo o que vem de fora,
como se vivêssemos no feudalismo, não interessa. Um primeiro-ministro que se
recusa a renegociar um empréstimo, na tentativa de melhorar as condições, os
prazos e os juros, como têm feito governantes estrangeiros, em situação similar,
melhor fora capitular.
Um
primeiro-ministro que se conforma com a situação de protectorado em que está
transformado este país de oito séculos de existência, deveria sentir-se
obrigado a resignar.
Um
primeiro-ministro assim, fortíssimo com os fracos e dependentes, internamente,
mete o dócil rabo entre as pernas perante troikas
e Merkels, para nossa colectiva vergonha. Como aconteceu com o antecessor José
Sócrates, de resto.
2. O que geralmente se associa à
“refundação” é, no fim de contas, a urgência de cortar 4 mil milhões de euros,
em áreas fulcrais como a educação, a saúde, a segurança e as prestações sociais.
Para que tal venha a ocorrer, foi necessário mandar vir técnicos do FMI e do
Banco Mundial, para indicar ao governo a sua incompetência em saber onde cortar
e o que retalhar.
E
quando os presumíveis “especialistas” já cá estavam a trabalhar na melhor
maneira de satisfazer os agiotas, também apelidados de “mercados”, ainda Passos
Coelho e Paulo Portas acenavam com a venenosa cenoura da “união nacional” ao
Partido Socialista que, muito bem, denunciou a encenação e a “armadilha”,
mostrando-se indisponível para legitimar o ilegitimável.
Porque
o que está em causa, claramente, nesta altura, é cortar cegamente, a pretexto
de redefinir as funções do Estado. Tanto assim é que o próprio Vitor Gaspar já
veio referir que os “cortes estruturais na despesa na ordem de 4.000 milhões de
euros» são para levar a cabo «sem alterar a Constituição».
Ora,
a redefinição das funções sociais do Estado exige uma revisão constitucional. Porque
essa é uma matéria sensível, que demanda ponderação temporal adequada e que
deve fundar-se num amplo consenso político e partidário. Não pode ser feita sob
a pressão da necessidade do ajustamento orçamental e apenas pela direita do
espectro partidário, ao sabor de interesses conjunturais.
E
já agora, são de rejeitar os propósitos de desmantelar o Estado Social, em
especial se tal resultar na demolição da escola pública, do direito universal à
saúde e à protecção social.
Esperamos,
sinceramente, que não seja isso que está em causa, porque será demais para ser
verdade. O Estado não pode demitir-se da sua missão social!
E
o governo não foi eleito para “refundar”, ou seja, desmantelar por completo, o
sistema económico e social. Não está legitimado eleitoralmente para tão
profundas alterações. Foi eleito para defender os portugueses e os seus
direitos fundamentais, o que não fez deliberadamente em ano e meio de
exercício.
(Correio do Minho, 12 de Novembro de 2012)
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