sábado, 17 de novembro de 2012

Greve por patriotismo!


1. Como milhares de outros trabalhadores, com elevado sentido “patriótico”, tive a coragem de participar na greve geral (ou nem por isso...) desta quarta-feira, que colocou o país a funcionar a meio gás, paralisando em grande parte os transportes, as escolas, hospitais, autarquias e outros serviços. Aliás, o protesto foi europeu, convocado pela Confederação Europeia de Sindicatos, com manifestações em duas dezenas de países da União Europeia e paralisações gerais em Espanha, na Grécia, em Chipre e em Malta.
Aderi à greve porque, num momento extraordinariamente difícil da nossa vida colectiva, entendi contribuir com “um dia de salário para a Nação”. Fiquei sem ele no meu bolso e a minha entidade patronal poupou assim um dia de ordenado, contribuindo deste modo para o esforço de contenção da despesa pública.
Se Paulo Portas, há uns dias, não quis sair do governo alegando “razões patrióticas”, eu também tenho o direito de fazer o mesmo, negando-me a trabalhar por um dia (excepção feita a esta crónica, ainda que tenha pensado seriamente entrar em greve também ao computador e deixar em branco a “Escrita” desta semana, mas o dever falou mais alto, bem como a extrema consideração pelo director e pelos leitores), para que haja mais dinheiro nos cofres do erário público. E bem de maquias estão necessitados…
A greve desta quarta-feira só pode ter sido levada a cabo por “razões patrióticas”.
Porque nas suas motivações esteve protestar contra a bárbara política de austeridade do governo e da tróica, de que aquele é zeloso feitor, concretizada no saque constante nos salários e nos subsídios, no aumento da carga fiscal, no congelamento dos ordenados e das promoções, na redução do valor do trabalho, nos despedimentos de 50% dos trabalhadores contratados nas autarquias e de 2% dos trabalhadores dos quadros (para quem assegurava que na função pública não há despedimentos, até que não está mal…), na privatização dos serviços públicos e de empresas estruturantes, na destruição do poder local (extinção de freguesias e outros ataques), no aumento da idade de reforma. Enfim, no empobrecimento progressivo dos portugueses em geral, na desqualificação do factor trabalho da economia (ao contrário do capital, que permanece quase intocável, nos seus paradigmas essenciais), na insegurança e indefinição quanto ao presente e ao futuro.
Em causa está o ataque do sistema financeiro e da agenda política europeia ao Estado Social, não apenas português mas europeu que, queiram ou não os seus detractores, esteve na base da manutenção da democracia e da paz no continente.
Em Portugal, é uma personalidade insuspeita como o professor Adriano Moreira a proclamar que “o Estado Social, hoje, está a ser posto em causa”, declarando ainda que “o que está a acontecer, com a orientação que Angela Merkel professa, é atirar a esperança pela janela. Nunca vi uma situação tão severa na vida portuguesa, como hoje”. E do alto da experiência de 90 anos e do seu estudo de décadas sobre a realidade portuguesa, o conceituado professor reitera que o país se encontra “em regime de protectorado” é conclui: “é uma injustiça que o povo português seja chamado a pagar a dívida chamada soberana, mas depois tenha de pagar a dívida municipal, a dívida das concessões que o Estado fez, a dívida da casa e, depois, esteja despedido”.
Por estas razões, altamente patrióticas e nacionais, a greve de quarta-feira fez todo o sentido. Os portugueses têm de mostrar a quem os (des)governa que não estão dispostos a ser escravos, para que Passos Coelho se ufane do seu papel de subserviente “bom aluno” da chanceler alemã.
Alemanha que lucra imenso com as dificuldades portuguesas, mais de um milhão de euros por dia, como refere o Correio da Manhã da passada terça-feira. Grande “amiga”, essa Merkel!...
 
2. Andam as águas agitadas para o lado da Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome e da Federação Europeia dos Bancos Alimentares. Mas não se percebem as razões, a não ser pelo clima de nervosismo e de exaltação que campeia neste momento. Porque o que a senhora referiu, em entrevista, não é nada mais do que o que diariamente ouvimos nos meios políticos e até nas conversas familiares. Que é necessário “reaprender a viver mais pobres”, dadas as circunstâncias económicas do país, que há necessidade de contenção de despesas, que “se não temos dinheiro para comer bifes todos os dias, não podemos comer bifes todos os dias”.
Mas onde está a infâmia destas declarações que levam alguns dos críticos a falar em “lavar o sangue que lhe escorre das mãos”!... Anda tudo louco, meu Deus!
E o tempo e voluntarismo que Isabel Jonet tem dedicado ao Banco Alimentar não conta para nada?
É óbvio que não. É mais fácil e mediático criticar umas declarações que poderão ser infelizes, mas que não saem do paradigma da normalidade, do que fazer algo de positivo pela sociedade!... Não consta que os acerbos críticos da senhora tenham a sua obra meritória em favor dos mais desprotegidos!...
 
(In Povo de Fafe, 16/11/2012)

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