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1. É este o primeiro-ministro que temos. Arvorado em Salvador da Pátria, em que poucos acreditam, como já tantos houve por aí, como pregoeiros do bacalhau a pataco. Pensando reincarnar um novo Salazar, com um pouco de verniz democrático. «Se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o país, que se lixem as eleições. O que interessa é Portugal», disse um destes dias.
Ficámos a saber, numa pequeníssima frase, várias coisas.
Primeiramente, que é um supino aldrabão: nenhum político está no poder para perder eleições. Ninguém acredita nisso. Só um mentecapto pode fazer crer que os portugueses possam algum dia acreditar numa verbosidade tal.
Em segundo lugar, nenhum democrata que se preze pode algum dia exclamar, ainda que esteja no conforto dos seus subordinados, “que se lixem as eleições”.
As eleições são o supremo exercício de uma democracia, ainda que de fachada como parece muitas vezes ser a que estamos a atravessar.
Amesquinhar um acto eleitoral, com o desplante “que se lixe!”, não é de democrata. Pode ser para os seus correligionários. Para mim, não é!
Finalmente, essa de erigir “Portugal” como grande suprassumo de todo o esforço governativo ou cantilena nacional, já tem mais barbas que o famoso adepto do Benfica.
“Portugal” como entidade mítica não existe. É uma pura e conveniente e folclórica abstracção. Muito útil para pintar discurso e decorar patranha, como é o caso. Existem os portugueses. O povo português. E esses seres concretos, com casas para pagar, prestações de carros e electrodomésticos para saldar e filhos nos infantários, está-se Passos Coelho marimbando para eles. Com abstracções lida-se bem melhor. Aos portugueses concretos, corta-se o ordenado, rouba-se o subsídio de férias e de Natal, aumenta-se os impostos, aumentam-se escandalosamente a electricidade, os combustíveis, facilita-se o despedimento, encurtam-se os direitos, designadamente ao subsídio de desemprego, às férias e a tudo o que cheire a “regalias”, aumentam-se os agravos, de toda a espécie.
Mas não são os portugueses concretos que o Passos Coelho quer salvar. Ele quer “salvar o país”, “salvar Portugal”. Aí entram, seguramente, os seus amigos banqueiros, que passam a vida a reivindicar mais dinheiro para recapitalizar o sistema financeiro, que não está a ajudar minimamente a economia (servem para quê, afinal, os bancos, nos dias de hoje, se não dão crédito nem às famílias, nem às empresas? Não servem para nada – é a resposta), os seus amigos Mexias, Catrogas, e outros capitalistas, que estão ao serviço do capitalismo e não dos portugueses!...
Se não existissem, os portugueses estariam bem melhor que o que estão, com toda a certeza!...
O “país”, o “Portugal” que Passos Coelho quer salvar é o sistema financeiro, os bancos, o sistema capitalista, os “mercados”, o patronato, o empresariado.
Está mais que visto, o lado onde está o democrata e “amigo do povo” de Massamá!...
2. Há uns dias, a mesma personagem afirmou qualquer coisa como: «As pessoas simples percebem o que fazemos»!
Acorde-nos à memória, de imediato, a Bíblia quando escreve: “benditos os pobres de espírito, que é deles o reino dos Céus”!
O que significa que Passos Coelho adora os simples, os desinformados, os analfabetos, os desintruídos, os não pensantes. Esse é que o compreendem.
Voltamos a Salazar: também ele não gostava de grandes instruções para o seu povo. Saber ler, escrever e contar, e mais nada. Já chegava, Pessoas simples, tementes a Deus e ao chefe e aptos a compreender as ordens superiores.
É inacreditável como o discurso de um pretenso democrata (não posso ter a certeza de que Passos Coelho o seja, o facto de ter vivido em democracia não quer dizer que seja democrata…) se aproxima tanto de ressonâncias que gostaríamos de nem nelas pensar.
Porque todos sabemos que a democracia só ganha com o exercício da crítica, da oposição consciente e saudável, da análise criteriosa, que só os seres mais pensantes e reflexivos podem levar a cabo. E esses sabem de certeza certa que o governo está a ir longe de mais, num excesso de austeridade que os compromissos com a troika não validam.
Espanta, assim, que se eleve aos píncaros as “pessoas simples” como aquelas que “percebem” o que o governo está a fazer.
Percebem coisa nenhuma. Compreendem a propaganda, a espuma dos dias, a rama dos factos, a areia que lhe deitam para os olhos. Que o seu interior, os seus fundamentos, nem muitas vezes os especialistas e os economistas os entendem, quanto mais “as pessoas simples”.
Deixem de brincar às políticas demagógicas e primárias!...
3. Só mais duas notas nos últimos discursos de Passos Coelho.
A primeira para lamentar que o primeiro-ministro continue a insistir na tecla de que “não estamos a exigir de mais”, quando todos já perceberam que já ultrapassámos todos os limites possíveis e imaginários. Só os distraídos e os imbecis, ou eventualmente “as pessoas simples”, pensarão o inverso.
A segunda para lastimar a arrogância de Passos Coelho, ao fim do primeiro ano de mandato (que era a arrogância de Sócrates ao fim de 3 ou 4 anos, e foi a de Cavaco ao fim de outros anos…), de que “não há alternativa”.
É claro que há sempre alternativa. Sempre houve alternativas. O país não nasceu há um ano (tem nove séculos de História, se é que esse cavalheiros andaram na escola…), nem se acabará dentro de dois ou três anos (talvez para quem lá está agora se acabe a mama, mas essa é outra questão…).
Só uma supina pesporrência, fará pensar que os actuais inquilinos de S. Bento são predestinados por Deus para a governação deste rectângulo. Tenham juízo e muita humildade. Os portugueses, os “simples” e os “complicados”, começam a ficar fartos das fitas e da demagogia barata deste “PREC de direita”, como bem o cataloga o Miguel Sousa Tavares no Expresso de há uma semana (a ler obrigatoriamente).
Parafraseando o próprio, que se lixem Passos Coelho e os Salvadores da Pátria!...