É do senso comum que os dois sectores básicos, fundamentais e estruturantes de qualquer sociedade são a saúde e a educação. Os gastos feitos nessas áreas não são despesas, mas entram no domínio do investimento do Estado.
Assim é (deveria ser) em Portugal, onde aquela Lei Fundamental que os políticos adoram quando permite fazer o que querem e odeiam quando a interpretação vai no sentido contrário, como ainda agora sucedeu, consagra inequivocamente ambos os direitos como fundamentais.
A educação é um direito básico de todos os cidadãos portugueses, em condições de igualdade de oportunidades de acesso, na rede pública.
Todavia, esse direito basilar de todo e qualquer cidadão a uma educação de qualidade, no espaço público, está seriamente a ser colocado em causa por uma agenda político-ideológica ultraliberal que desvaloriza a universalidade educativa e a obrigação de o Estado garantir a “melhor educação” nos seus vários graus.
É claro que o desinvestimento na educação já não é de hoje e, em épocas de crise, quem mais sofre são essas áreas “supérfluas” como a cultura, o ensino e até a saúde, tidas como bens de luxo, quando o que é necessário é garantir o alimento para a boca de milhares de cidadãos...
Com este governo, este ministro, esta agenda, o problema agrava-se. A educação neste país está a ficar pela hora da morte (nem só a saúde) e o que está em causa nem são meros casuísmos economicistas, sempre lamentáveis, mas o futuro de todo um país, de todo um povo. Um futuro sem educação, porque no presente o que está a acontecer é um “investimento”, lastimável, sublinhe-se, na voluntária desarticulação do sistema educativo público.
Desde logo, com essa monstruosidade dos giga-agrupamentos, de que ainda ninguém conseguiu ter uma palavra elogiosa. Eu, pelo menos, ainda não consegui ouvir ou ler uma frase laudatória às virtualidades de um projecto que está a ser implementado pelo país, com algumas excepções, de que apenas se conhecem críticas. A excessiva dimensão das escolas/agrupamentos “desfavorece a relação interpessoal, a dimensão humana, a aproximação e participação dos pais na vida da escola, a coordenação pedagógica, a gestão e administração de recursos e meios, a relação com a comunidade educativa e por outro lado favorece a indisciplina”, como resumia há dias António Carvalho, deputado municipal de Guimarães.
A agravar a situação, o ministério determinou o aumento do número de alunos por turma, o que, diz quem sabe, degrada as condições de ensino e compromete a qualidade das aprendizagens.
Como corolário de toda esta situação, assistimos esta semana à movimentação dos professores pelo país, nas escolas e nas ruas, gente a chorar, professores com 20 e 30 anos de serviço colocados com “horários-zero”, docentes do quadro a ter de voltar a concorrer, a extinção de qualquer coisa como 25 mil horários, enfim, um pandemónio indescritível que nada tem a ver com o acréscimo da qualidade do ensino e da educação mas apenas se explica pela necessidade de poupar dinheiro. Mera contabilidade economicista, que deixa no desemprego milhares de professores contratados e sem qualquer perspectiva tantos outros milhares de jovens que estão a frequentar ou a concluir cursos virados para áreas pedagógicas.
Dir-se-à que o Estado não pode nem tem obrigação de empregar todos os licenciados. Nem de perto nem de longe. Mas tem obrigação de criar condições para uma educação de qualidade, no sector público, com um ensino e uma aprendizagem mais próximos, o que significa turmas mais pequenas, logo com maior apoio de professores, ocupando maior número de profissionais.
O que parece é que, à boleia da crise e das limitações orçamentais, estamos a assistir a uma clara e assumida desqualificação do ensino público, para que floresçam escolas privadas onde o Estado não deveria deixar de marcar a sua presença.
Mas já sabemos que estamos perante um governo para quem o interesse público não será a missão última. Claramente.
Basta, para o provar, a desclassificação simbólica da República: a res pública, a coisa pública. Isso diz tudo da ideologia reinante desde há um ano. Não é necessário ir mais longe. Lamentavelmente!
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