O direito à indignação, e outros protestos
Mesmo quando estamos a banhos, tranquilamente, retemperando as energias para o ano que se aproxima, o mundo não pára de evoluir, o governo não cessa de nos trapacear, tal como não paramos de “ver, ouvir e ler”, que até dispomos de mais tempo para o fazer.
Mesmo em férias, não abdicamos do constitucional e filosófico direito à indignação e motivos para o exercer não faltam.
Há um ano atrás, em 14 de Agosto, no Pontal, aqui ao lado, Passos Coelho, então apenas o demagogo de serviço da oposição, prometia chumbar qualquer orçamento em que se anunciasse aumento de impostos. Como bem recorda a Visão da semana passada, insurgia-se ferozmente contra os cortes nas deduções fiscais. Gritava contra um governo que não se podia limitar a arranjar desculpas, mas deveria cumprir o dever de governar. E falava sem tabus das portagens que deveriam existir em todas as Scut, apoiava a regionalização e jurava não mexer nas taxas do IVA.
Desde há mais de dois meses governo, por vontade da maioria relativa dos portugueses que exerceram o seu direito de voto (e são esses que contam…), Passos Coelho é a personificação da mais funda desilusão, do revoltante contraste entre o que se promete e o que se faz: para isto, que não é exclusivo de Passos Coelho, como é óbvio, mas verificou-se igualmente com os governos do PS, melhor seria não haver campanha eleitoral, nem manifestos, nem programas de governo, que não são mais que mentiras bem ordenadas. Gastam-se rios de dinheiro para debitar promessas que não são para cumprir.
Vejamos.
Não haverá aumento de impostos: se calhar, o infame corte de 50% no subsídio de Natal dos funcionários públicos, é apenas uma dádiva religiosa para o peditório governamental. Imposto? Quem fala nisso!...
E para 2012, já se anunciam mais impostos!...
Não haverá aumento do IVA: o aumento brutal da factura da electricidade e do gás natural, passando dos 6 para os 23%, mais não representa do que um divertimento que os portugueses estão dispostos a prodigalizar, para ajudar o governo a ganhar as próximas eleições. Aumento do IVA? Quem fala nisso!...
Selvático aumento dos transportes públicos? Não passa de uma demagógica miragem!..
Portagens nas Scut? Calma, que os interesses partidários estão primeiro, e a palavra de ontem não é para cumprir!...
Regionalização? Nem pensar, que o regabofe social-democrata (não esqueçamos) da Madeira (que havemos de glosar, pelo escândalo que representa…) não autoriza a pensar no assunto!...
Não haverá desculpas? Afinal, há. Aquela coisa fantasmagórica do “desvio colossal”, que ainda ninguém percebeu o que seja, a não ser talvez na cabeça bem pensante e monocórdica do ministro das Finanças!...
Dir-se-á que tudo isto são imposições da “troika”. Serão, ou não. A dita cuja não ordenou o corte de metade do 13º mês, ou ordenou? Obviamente que tal é uma criação exclusiva de que o governo se pode gabar…
Tudo agora serve de desculpa para oprimir os portugueses com mais impostos, aumentos e cortes! É o que este governo sabe fazer…
O objectivo, ao que dizem, é aumentar a receita do Estado à custa do expediente fácil: esfolar o contribuinte. Para isso, não era necessário eleger um governo inteiro. Qualquer merceeiro de aldeia sabe como fazer: para acrescentar a receita, basta aumentar os preços do arroz e da massa. Há alguma ciência nisso?
Ciência está em fazer como o governo não se cansa de indicar aos pacóvios: fazer melhor com menos dinheiro. Então, que dê o exemplo!.. Ou a miraculosa receita é apenas para os outros?
É muito fácil aumentar as receitas pela via fiscal, impositiva. Difícil é conter as despesas. E aí ainda não há qualquer directiva. Adia-se sistematicamente o anúncio dos cortes, porque a coisa ia mais fino. E para quem, na campanha, anunciava que tinha o assunto bem estudado e sabia onde cortar, até que nem está nada mal… Está péssimo.
Aliás, como há dias escrevia no Expresso o insuspeito Miguel Sousa Tavares: “tivessem sido José Sócrates e Teixeira dos Santos a fazer o décimo das maldades que este governo já fez aos portugueses (…) e teríamos as multidões na rua e a imprensa aos gritos”.
Mas, curiosamente, ou talvez não, há por aí uma complacência e uma condescendência (ou será apenas manifestação de culpabilidade de quem o elegeu?) relativamente ao tenebroso assalto aos bolsos dos portugueses por parte do executivo de Passos Coelho, que não havia perante José Sócrates, a quem nada se perdoava, do que agora se afirma, com perversa inocência, “ter de ser, para levantar o país, porque as coisas estão mal, etc. e tal…”. Pura e louca logorreia!
Que o governo não pense que os portugueses estão dispostos a manter o estado de graça indefinidamente: se o governo agride os portugueses com constantes aumentos, os portugueses vão obrigar o governo a governar como deve ser. Que não espere outra coisa.
Que ponham ordem nas contas públicas mas também moralidade no Estado. Há alguma razão para que um ex-presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, tenha a prerrogativa de um gabinete próprio na AR, a que foram afectos uma secretária, uma viatura e um motorista exclusivos, conforme despacho da nova presidente Assunção Esteves, nº 1/XII? Mas estamos no reino do Bokassa?
E a infindável legião de "boys" e "especialistas" de cartões partidários para tudo o que é ministério e secretaria de estado?
Há alguma razão para que o governo, até agora, se tenha limitado a tributar os rendimentos do trabalho e deixado de fora as fortunas e os dividendos do capital e da especulação?!...
Que é que o governo tem feito para acabar com esses centros da especulação e do crime que são os paraísos fiscais, para onde muitos enviam o dinheiro não se sabe de que proveniências?!... Nem anúncios...
O que apetece proclamar, calmamente, deste Verão para o futuro, é que estes intrujões vão todos para aquela banda, que é para os não tratar mal!...
Os seus apaniguados que tenham paciência: a ideologia de nada vale perante o saque diário que estão a fazer às carteiras dos portugueses. Se ainda assim acharem que exagero, só tenho um conselho: continuem a autoflagear-se, masoquisticamente, cristãmente. Como D. Policapo quer!...
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