quinta-feira, 22 de março de 2012

ARTUR PINTO BASTOS ME CONFESSO


Chamo-me Artur Pinto Bastos.
Há quem me considere o maior jornalista fafense de todos os tempos. Fui cronista privilegiado da primeira metade do século XX, sendo aos meus textos que vão beber as fontes da história local daquele período. Não sei, francamente, não sei. Só a história o dirá.

Participei, com imenso gosto, este fim-de-semana numa fantástica recriação de personalidades marcantes dos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX, juntamente com comendadores, capitalistas, políticos, deputados, empresários, gente de múltiplos afazeres mas grande importância. Estivemos no Teatro-Cinema na sexta-feira à noite; no Clube Fafense e pelas ruas da cidade na tarde de sábado e no domingo à tarde na esplêndida e majestosa recriação da vinda do Rei D. Carlos a Fafe, juntando milhares e milhares de figurantes e assistentes.
Um momento de cultura popular como há muito não se via!...

Nasci no lugar de Sá, na então Vila de Fafe, em 19 de Julho de 1871. O meu pai – José Pinto – partiu para o Brasil, era eu pequeno, e por lá ficou, deixando-me aos cuidados da minha extremosa mãe, Maria de Bastos.
Muito novo ainda, com 19 anos, comecei a trabalhar em artes gráficas, no jornal A Gazeta de Fafe, do meu amigo João Crisóstomo, introdutor do jornalismo em Fafe, que fundaria ainda O Calvário da Granja e O Desforço.

Artur Pinto Bastos no renovado Club Fafense, sábado passado
Com apenas 23 anos de idade, em 24 de Março de 1895, por morte do meu amigo e confrade João Crisóstomo, assumi a direcção do semanário O Desforço, fundado três anos antes, mantendo-me naquelas funções até à minha morte, em 1951.
Foram 58 anos à frente de um jornal.
De facto, foi obra. Foi preciso muita luta, muito sacrifício para angariar o sustento do meu rancho de 22 filhos, fruto do meu casamento de 51 anos com a minha amada Maria Dias Saldanha Pinto Bastos, que Deus haja!
Fiz tudo no jornal e na tipografia: escrevia, compunha, varria a oficina, fazia as cobranças, era o homem para todo o serviço, polivalente.

Republicano “antes do tempo”, ainda na Monarquia, o meu Desforço foi perseguido pelos monárquicos e posteriormente pela ditadura salazarista, o que me fez sofrer imenso, pois tinha de angariar o sustento para o meu rebanho de filhos.

No desfile de domingo, recriando a chegada do Rei D. Carlos, em 1907
Em 1909, fundei uma publicação anual, o Almanaque Ilustrado de Fafe, de que saíram 43 volumes enquanto vivi.
Os artigos que ali escrevi, tal como os do jornal, assumiam um entranhado amor à terra que me viu nascer e que me levou a servir instituições sociais como os Bombeiros Voluntários de Fafe, em que fui graduado e terminei como Comandante Honorário e a Santa Casa da Misericórdia de Fafe, a cuja mesa pertenci várias vezes.

Sempre me considerei indefectível democrata e republicano, e por isso fui combatente da Revolta de 31 de Janeiro de 1891 e saudei calorosamente a instauração da República, em 05 de Outubro de 1910.
Assisti à proclamação da República no Porto e vim de imediato dar a notícia aos meus correligionários de Fafe, onde ajudei a proclamá-la em 9 de Outubro de 1910.
Republicano histórico, tive a hipótese de ocupar lugares de relevo, que nunca aceitei. Poderia ter sido deputado; não quis. Cheguei a ser nomeado administrador substituto do concelho mas recusei. Simpatizante do velho Partido Republicano Português, na altura apelidado de Partido Democrático, fui eleito vereador efectivo da Câmara de Fafe, em 1913. Foi nesse cargo que propus a compra de um barco para o lago do Jardim do Calvário e tive a ousadia de plantar árvores de fruto nos jardins públicos.
Tive grandes amigos no Partido Republicano; o grande Afonso Costa, quando esteve de passagem por Fafe, em 13 de Maio de 1915, teve para comigo deferências que causaram invejas a muitos fafenses.

Durante o fascismo fui perseguido. O Desforço era considerado um jornal desafecto ao regime. Tive de ter muito cuidado, para tornear a censura e evitar ser preso ou ver suspenso o meu jornal.
Eu era o único sustento da numerosa família. Muitas vezes me apetecia ir mais além na crítica ao regime, mas não podia fazê-lo, porque o pão estava em primeira lugar.
Na tribuna real (ali, ao fundo)
Bairrista abnegado, sempre fui amigo dos pobres e das obras locais, para as quais pedi no Desforço e no Almanaque, sobretudo aos nossos emigrantes no Brasil.
Sempre pugnei pela terra que me viu nascer, alegrando-me com o seu progresso.
Fui um grande impulsionador das obras de construção da Igreja Nova, que começaram em 1895 (só acabariam em 1961, 66 anos depois de terem arrancado). Mas também do Hospital da Misericórdia e dos Bombeiros Voluntários.

Gostaria ainda de evidenciar que nas páginas do meu querido O Desforço, passaram acontecimentos fundamentais dos finais do século XIX e da primeira metade do século XX.
Por exemplo:
- A inauguração da linha do caminho-de-ferro ligando Guimarães e Fafe em 1907;
- A proclamação da República em 1910;
- A inauguração da Central Hidroeléctrica de Santa Rita, em 1914;
- A inauguração do Teatro-Cinema, em 1924;
- A inauguração do Monumento aos Mortos da Grande Guerra, em 1931;
- A criação do Grupo Nun’Álvares, em 1932;
- A fundação das casas do povo nos anos 30 e 40;
- A criação de diversas escolas, o abastecimento de água, a difusão da electricidade e o arroteamento de vias de comunicação pelo concelho, embora em condições que hoje deploraríamos!


Em pose de jornalista, sempre com O Desforço a tiracolo...
 E tantas e tantas notícias de grande e de pequena dimensão, da política, muitas vezes aguerrida e contundente, à sociedade, das manifestações religiosas (como as festas de Antime ou das Neves) ao desporto (os nossos dois clubes, o Futebol Clube e o Sporting Clube de Fafe), todas elas importantes a seu modo para a população que não tinha outros meios de informação (a televisão só viria no final dos anos 50, como sabemos).
É claro que o jornal continuou a ser o repórter da vida de Fafe, e até do país, depois dos anos de 1950.

Todos sabemos que a imprensa é o veículo privilegiado para o melhor conhecimento do que se vai passando em cada localidade.
Por isso me honro ter sido um jornalista que venceu o tempo e ainda hoje é falado, citado e referido.
É a melhor coroa de glória do meu acerado bairrismo…
Eu até escrevia bem! Muito bem, segundo os meus contemporâneos!
Quem sabe se algum contemporâneo amigo, o Artur Coimbra, por exemplo, um dia venha a ressuscitar e coligir os meus textos.
Ficaria muito contente!

Enfim, para concluir, depois de uma vida intensa e longa, morri pobre, aos 80 anos, em 1951, mas deixei à posteridade, segundo creio, um nome honrado.

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